Inquérito SP_EF_366

SPEAKER 1: : A torre de Babel.

SPEAKER 0: : Para os céus, para o alto, embora assuste-a a vertigem da altura que ela anseia, minha alma ansiando e soluçando alteia a torre de Babel da minha angústia. E, bloco a bloco, se ergue o monumento. As ogivas, os nichos e arcarias cortou-os o cinzel do sofrimento. No mármore das minhas agonias. Mordo o escopro da dor, Lameja a fraga do ódio e corusca, Enroda, ereta aspoio, As colunas de bronze desta mágoa, Sustentando a tortura do meu sonho. E, finos como agudos estiletes, nos cimos onde a flor dos sonhos medra, são as pontas dos longos minaretes nomo gritos de dor. feitos de pedra. Esta torre de angústia erguia a esmo nas horas de tortura ser remédio para fugir a compressão do tédio que me encarcera dentro de mim mesmo () Sonhando a glória livre das distâncias, eu vi os sonhos meus inconcluídos e, na brutalidade dos sentidos, jamais realizei as minhas ânsias. Corria atrás das nuvens que se somem, filho da terra, escravo da existência, errugido de raiva e de impotência, eu sofria a tortura de ser homem. Eu era uma caudal sem liberdade, água de poço, lúrida e represa, onde a nascente viva da beleza Ia perder-se na vulgaridade. Mas, preso de um audaz desvairamento, despedaçando o coração tristonho, ergui, sangrando, a torre do meu sonho, do prétrio bloco do meu sofrimento. Também um dia sinto força erguida, ó torre de Babel! Também consistes nas angústias de todos que são tristes e em todas as desgraças desta vida. E o homem que rasteja, e sofre, e morre na lama, ouvindo a luz da glória gêmea, cuspiu da terra, como uma blasfêmia, o grito de revolta dessa torre. E para bem bem alta, o bloco erguido, surgiu ediondo um ser de cada canto. Um trouxe um brado, aquele trouxe um pranto, este um soluço, aquele outro um gemido e firmar nos homens desvairados as bases que dos tempos escarnecem nos tormentos de todos que padecem, nos soluços de todos os desgraçados. A invadir-se da terra escala a altura num esforço titânico estupendo e a humanidade alcança o azul fazendo uma escada da própria desventura. Que importa fuja o céu alto e superno a embestida da torre de granito se o céu inatingível e infinito nosso desejo descalado é eterno e pedra a pedra entrega o seu tormento arquejando, gloriosa, a humanidade vai conquistando a própria liberdade a custo do seu próprio sofrimento cantiga noturna Espero em vão e sabendo que essa que espero não vem vou cantando e vou sofrendo de saudade do meu bem que amar é uma angústia enorme, sei porque amores já tive quem tem amores não dorme mas quem não ama, não vive meu bem deixou-me sofrendo canto mas quantos também vão cantando e vão morrendo de saudade de seu bem. E eu sou cantiga, e ouvindo essa dor sofro porque eu fico também sentindo saudade não sei do quê () Adivinhação. Como será teu corpo, longo e fino, como as curvas de um veio cristalino, corpo quase infantil, tão pequenino, Encerrando esta coisa tão grande, o meu destino. Como serão teus lábios? Quase os vejo, nesta ansiedade doida em que flamejo, arco de nácar disparando um beijo, encerrando uma coisa imensa, meu desejo. Como serão teus olhos? dolorida chama que ora fagulha, ora esbatida é o poente de uma tarde comovida encerrando uma coisa tão triste, minha vida. Como será tua alma? Nem sequer imagino a surpresa que se encobre nessa alma estranha. Acaso alguém descobre o mistério de uma alma de mulher? Murmurações. Vivo sozinho. O meu quarto não tem alegria a florar de uma jarra fardeira. A solidão é minha companheira e a única mulher que me quer bem. Taciturno e tristonho, às vezes saio e vou aos acasos de um parque e dentro dele murmura alguém de mim que anseio por um grande sonho para amar como nunca ainda se amou. tipo esquisito, estranho moço aquele que não ama ninguém. O encontro. Nesse dia, eu senti meu amor que eu falo se cumpria e ao teu primeiro olhar inundou minha volúpia impaciente que sente a terra ao receber no seu seio a semente e que vai germinar. Revelação. Eras tu Tua voz, um som tombrando, continuou em frases comovidas o diálogo que vinha nos travando através de outras vidas. Eras tu. Minha mão trêmula e ardente sentiu na tua palma um carinho igual a sensação que uma ave sente ao encontrar seu ninho. É a instância que meu peito tumultua que és meu loiro, destino adivinha. Não é mistério dizeres eu sou tu Pois que sinto que sempre foste minha Destino! Havias de vir, sonho esperado Sofrer, gozar, sonhar comigo Toda doçura de um castigo Fascinador como um perigo E tentador como um pecado Havias de vir, ardente chama Desta paixão em que ilumino Todos os lances desse drama pequeno e imenso que se chama meu destino. Meu amor, olha, eu sou como a terra da minha terra. Minha ternura parece uma grande floresta. Como eu te quero. Como sinto fundas as raízes do meu () Quando te vi choveu na minha alma E as raízes ávidas beberam toda essa chuva Estão tão ávidas que beberam todo o meu sangue Estão tão ávidas que vão bebendo toda a minha vida Música O sino que plange O alair dos sapos que tange Um claxon distante o pregão de um vendedor ambulante, o Chopin romântico da vizinha de luto, longa síncope de silêncio absoluto, e no silêncio, mais suave que um arpejo, o meu beijo, o teu beijo, o nosso beijo. Refrão. Meu lindo amor, meu lindo amor, eu te amo. Deixe-me repetindo que te amo para que tudo, a terra verde, a raba de veludo, a rocha muda, o tronco mudo, o vento sombrio, a água sonora, o ramo sonoro, tudo saiba que te amo. Alegria. O céu é lindo, a terra é linda, a chuva é linda, a lama é linda. Não há mais distâncias. Eu posso colher com as mãos as estrelas Eu posso saltar a mais alta montanha Porque o corpo vibra nas minhas mãos Pequeninho e trêmulo como um pássaro cativo Piedade Eu tenho pena dos destinos anônimos Que se consumam alheios ao nosso destino São como certas árvores que fixamos numa casa de paisagem e que fogem no quadrilátero da janela de um () que corre e se perde no botim de uma floresta. Quem as verá mais nunca? Eu tenho pena dos outros homens, como se fossem coisas mortas, coisas decorativas, coisas imaginárias. Espectros. Nosso passado foi a procura de nós mesmos. Fomos dois desastrados sobrines que andamos atrás do nosso amor, como quem procura num burgo noturno, batendo em todos os bares o lar do nosso espírito. Como desperdiçávamos inutilmente a nossa mocidade. Sinto saudades retrospectivas. Por isso, nosso amor ver a tristeza da nostalgia de nós mesmos () Césaro, eu trazia o triste estigma do eleito e do iluminado. Eu carregava o peso ancestral do meu enigma dentro da vida, como o que era um enigma fechado. E quando os olhos teus a esmo nos meus repousas, Eu descubro o sentido obscuro das coisas no mistério de mim mesmo. Nirvana, quisera ficar a teu lado no grande êxtase pacífico do nosso silêncio. Continuar indiferentemente o diálogo mudo dos nossos olhos. Quisera diluir-me em ti com um aroma ao vento Como um dos rios que fundem suas águas no abraço do mesmo leito e correm para o mesmo destino () Somos duas árvores solitárias que entrelaçam suas ramas. A mesma brisa estremece, floresce, envelhece e morre () Cinzas. Nesta angústia midiúnica, a saudade revoca o teu sorriso astral. Tu foste a única, foste meu bem e meu mal. Só me restam lembranças merencórias, tristes revocações desses dias risonhos. É assim que acabam todas as histórias, num punhado de páridas memórias. E que são as memórias, se não cinza de sonho, desilusão. E que é amar? A estranha dor de estilhaçar a alma em carinho é colher ao acaso alguma flor para despetalá-la no caminho. E que resta depois de tantos ais? A saudade? Talvez. Ô, alma enganada, de ti e da flor não resta quase nada. Um punhado de pétalas na estrada O perfume nos dedos, nada mais. Saudade. Saudade. Perfume triste de uma flor que não se vê. Culto que ainda persiste num crente que já não crê. Por que sempre não senti-la, essa dor que nos magoou? Se a luz fica na pupila quando o astro se apagou? Elegia. Eu quis escrever um verso e escrevi teu nome. Olhei para o mar de cobalto e pensei no nosso desejo. Senti um perfume noturno e minha alma inundou-se de saudade. fui andando pelos caminhos na esperança de encontrar-te. Ouvi uma música triste e pensei que tu me chamavas. Na noite, cheinha de estrelas, eu enchi meus olhos de lágrimas. Os sinos dobravam afinados com funda melancolia, e eu fechei os meus olhos. Talvez pensasse na morte, ou talvez no nosso amor. Desespero. Temo rever. Temo que aconteça que te vendo de novo em minha frente, procure em ti uma mulher ausente e não te reconheça. Calculo agora a dor que então terei se, falando contigo e te beijando, eu ficar como um louco procurando na que foi meu amor a mulher que eu amei. Último poema. Quando cai uma flor, um novo botão se inflora no ramo, disse alguém, como quem diz () Após a noite surge a aurora, volta o sorriso ao lábio de quem chora, um amor vai e outro vem. Mas desta vez meu coração tristonho sente que em mim tudo morreu, Pus minha mocidade inteira nesses sonhos.

SPEAKER 2: : Não foi o meu amor que se acabou, fui eu ()

SPEAKER 0: : Dos poemas transitórios. as estátuas () Plantei um jardim de bolhas nas ondas e colhi flores de espuma. À noite, brotaram corolas de estrelas que se liquefizeram no abismo. Nessas águas, esculpi minhas estátuas, feitas de movimento, de curvas e de brumas. Não fui somente eu quem viu a graça desses corpos e a força da sua nudez poderosa. Talvez os navegantes que procuraram o desconhecido viram minhas estátuas. É possível que os náufragos se enganassem com elas, porque nelas estava a violência desta sede de risco e de novo. De uma coisa estou certo. Os suicidas que afundo na onda correm atrás das minhas estátuas. CANTIGA DO AMOR TEMPORÃO Um céu de cordeiros brancos sob um mar todo de peixes. Como bomba retardada, um velho amor no meu peito. Ouço o cântico de pássaros, mas meus olhos são silêncio. Para este amor que vem tarde, não há mais tempo nas horas que esbanjei na mocidade. ó Ó, velho amor, tardo e tonto. Por que nasceres agora? Porque o mar é tudo peixes e o céu são cordeiros brancos? Fruto que já nasce murcho por nascer fora de tempo. Há sempre um amor sobrado no peito de cada homem. Por isso tomem cuidado quando o mar é tudo peixes e o céu só cordeiros brancos. A morta Sua carne e sua alma ficaram quietas e mudas. Seu grande corpo hirto e branco era uma estátua horizontal de gelo e de silêncio. Nós ficávamos bruscamente sem saber se estávamos diante de uma pedra ou de um mundo sem acústica. Ela sorria, um sorriso enigmático, desafiando nossa perplexidade e, em meio à nossa aflição, somente ela era tranquila. Então, essa coisa pacífica e absurda encheu-nos de medo, porque era mais terrível que uma coisa viva. Tangulomango. O bicho tangulomango, peluda carne de sombra, olhos de escuro e de medo, rondou toda a minha infância. Como era? Não sei. Só era um arrepio no meu corpo, pois na treva era só treva e na luz ficava nada. Mas para lutar com ele, nas noites de frio e susto, do céu descia um arcanjo e me cobria de plumas. Varava o túnel da noite, chegava de madrugada, lascas de sol nos canteiros cantos de luz dos meus olhos. E assim rolei pela vida, revezando de outro jeito o bicho tangulumango e o meu arcanjo de prata. Querem comer a lua? São Jorge, você me empreste o seu dragão, que preciso, pois estão comendo a lua com um telescópio gigante esvaziam de toda hipótese um pobre mundo explicado e ovado entre certezas, mais perdido que encontrado. Encerraram-me em números, esquemas, planos, programas. Não há mais nem lobisomen e querem roubar-me a lua. Em meio de agudos ângulos procuro versos de infância, como quem cego de luzes sonha um pouco de garoa. São Jorge, ainda acredito na força da tua lança. Quisemos limpar de Deuses uma escusa zona da alma, mas contra o rigor dos sábios montei uma () usina mágica e ali fabrico meu mundo de arbítrio de coisas loucas. Um diabo nas nasceu lá dentro e vive dando risadas. Ele explica, mostra, prova, mas eu não compreendo nada. Vou fabricar outra lua com a luz dos peixes noturnos que acendem velas de fósforo entrescafando os esponjas. ó mundo Oh, mundo sem neva! A clareza não diz nada. Restitui-me a grande infância perdida nas tuas esquinas, nos acasos da inocência. Não me roube o que me explica São Jorge, o dragão e a lua. Saudade cheia de graça, Alegria e dor difusa, Doença da minha raça, Tanto que a guitarra lusa Em seu exílio derreteu. () se foi dentro da saudade que a minha pátria nasceu ()

SPEAKER 1: : Refrão. Meu lindo amor, meu lindo amor, eu te amo.

SPEAKER 0: : Deixa-me repetindo que te amo para que tudo, a terra verde, a relva de veludo, a rocha muda, o tronco mudo, o vento sonoro, a água sonora, o ramo sonoro, tudo saiba que te amo. Canção da rua, o anel que tu me deste, dentro dele meu destino se fechou. Tu nem sabes do bem que me fizeste. O amor que tu me tinhas, esperava este amor que te encontrou. Ai, como as outras almas são mesquinhas, elas são como canto às criancinhas. O amor que tu me tinhas, era pouco, se acabou. Preságio, um dia, ai, eu tenho vontade de chorar. Um dia, tu, gelada sobre a fria cama, tu que me esperas sempre, não me esperarás. Desce, escorre na frente um suor de agonia, porque eu sei que há de vir algum dia esse dia, porque essa hora eu sei ia me chegar. E eu me debruçarei sobre ti para ver-te. Tomarei tuas mãos que não me estenderás. Tua mão cairá de novo inerte. Meu beijo gelará na tua boca e não me beijarás. Louco de dor, chamarqueei, mancia louca, não me responderás. Eu tenho alma errante e vago na terra a sonhar maravilhas. Eu busco e enriqueto o meu sonho inconstante e sou como as asas, as velas, as filhas, as nuvens, o vento. Eu sou como as coisas inquietas, o vento que canta na leira, a fumaça que voa na espira que sobe das achas, o anseio dos longos coqueiros esguios, a esteira de prata que deixa uma flor no espelho dos rios. Eu tenho alma errante. Boêmio, meu sonho procura carícia, fugace, procura agora () Sou como uma vela fenicionante, uma vela distante. Eu tenho alma errante e sinto uma estranha delícia em tudo que passa e não dura e em tudo que foge e não para. () Sentado num banco de rua, nas noites calmas e belas, um bêbado cisma Que lindo o Carnaval das Estrelas, que lindo! Pareces ó lua um branco palhaço rolando por entre os confetes dos astros. Ó bola de fogo suspensa no azul onde luzes! Acaso as funângulas torres jogaram o céu alto com as mãos escarnadas das cruzes, em gestos doidos de malabaristas, para alegrar a tortura que abraza todos os pobres sem casa, todos os magos artistas. condecoração do infinito, medalha de prata, luzindo por entre a gran cruz do cruzeiro e o crachá das estrelas. Pleno pago na exposição do universo, por toda a beleza noturna que o céu está na terra. Estranho brilhante partido em estilhas, em todas as poças tu brilhas, em todas as águas flutuas, e as parlas, lagoas, revestes, e um manto bordado de ruas, ó Fausto, ilu ilusões lustrárias, efêmera joia do sem-fortuna. Amor, eu vou amar toda esta noite esta cigana que armou sua barraca de linho numa casa de rendezvous, junto ao lago glacial do seu espelho blanco, sob a copa verde de um abajur de seda. Seu corpo, Nas suas pupilas de ágata, eu vejo o velho coronel Rufino, que bebeu a fazenda com champanhe. Vejo mastúrias atestadas de café nos torços nulos arpando sobre os sacos doiros, nas carretanas que vão riscando nos caminhos duas linhas que nunca mais se encontram e vão rodando até chegar junto das andas ao convês com o arento dos navios para ir buscar os beijos falsos das francesas. Ternura, se eu te dissesse o meu amor, olha o mar como é vasto, olha o mar como geme, se eu te dissesse o meu amor, é meu braço que treme ou é teu braço que treme? Se eu te dissesse o meu amor, olha o céu como esplende, olha o sol como aquece, mas teu corpo estremece e a minha alma estremece como se eu te dissesse o meu amor.

SPEAKER 1: : Casa abandonada.

SPEAKER 0: : Eu já morei naquela casa. Está deserta. Olha o jardim. A porta não está aberta. Pode-se entrar. Ali, nesse canteiro, eu plantei certa vez um pequeno claveiro. () Morre tudo. Afinal, só subsiste a saudade de tudo. E a saudade é tão triste. Tu moraste também no meu peito, querida. Hoje que me deixaste, a minha pobre vida é uma casa deserta igual a esta que viste. E uma casa deserta, ó meu bem, é tão triste. Bairro da estão incendiando todas as casas do bairro com as últimas brasas do puente de cobre () Jardim da Luz. Uma sabrada de sol faísca sobre o casco de um bombeiro que apaga o incêndio tantálico do olhar de uma mucama de azerixe, negra e bela como um bárbaro fortíssimo. Um trem vai abrir lavoura em noroeste Com um fino golpe metálico um clarim aputilha a tarde azul e celeste. Baía da Guanabara O Pão-do-Açúcar é um pescador filósofo de costas voltadas para o mar. Fisga com um anzol dependurado nos fios elétricos da sua vara de pesca meia dúzia de ingleses globetrotters e uma miss triste como miss de Erigódiva. A urca taciturna na coreta resiste à tentação das nuvens que dançam em seu redor como mulheres nuas. Na sua salva de prata Bahia oferta os peixes riquetos das ondas preparadas na salsa branca da espuma. E os calgueiros acotruados, ríjos operários atlânticos Olham com inveja, fumando os cachimbos das chaminés enormes, a elegância internacional dos iates e o fausto ocioso dos trasatlânticos de luxo. Uma barca ondulante, a ser o tropismo racial e nômade das travessias e marca com a pó aguda a tentação oceânica das viagens. Sob a paisagem marinha, uma gavota acrobática faz lupinzinho para divertir os cacralheiros. E o mar canta num cais nostálgico a sinfonia de lágrimas e de soluços de todas as despedidas. Integração. Estás comigo no meu pensamento, em toda parte e a todo momento.

SPEAKER 1: : Um pedra és o ar que respiro e a paisagem que vejo como um desejo ou como um beijo.

SPEAKER 0: : Tragas em meu redor um ano de carinho, e a tua presença invisível dá a impressão deliciosa de quem carrega uma braçada de rosas e vai deixando um rastro de perfume no caminho. Jardim Tropical Monjas lunares, os lírios rezam de mãos postas pelos cravos degolados cujas cabeças estão içadas no chunços das hastes escorrendo o sangue das pedras () dos girassóis guerreiros escalados de ouro Foi meu vento os pavês das glicinhas. As papoulas roxas, com seus pluviais de seda, são graves arcibismos inquisidores. A pele miúda e bulhenta das madresilvas apinha-se em todos os galhos para espiar o sacrifício cruento. E, contra o monstruoso atentado, apenas se ergue na sombra timidamente o protesto aromal das violetas. Chuva de pedra. O granizo salpica o chão como se as mãos das nuvens quebrassem com o estrondo um pedaço de gelo para a salada de fruta dos palmares. O cafezal, numa carreira alucinada, grimpa as lombas de ocre, apedrejada matilha de cães verdes. Prêmio, engotejo enrissar as suas copas como pelos do animal todo molhado. O céu é uma pedreira () onde estoura a dinamite dos coristas. Rola de fraga em fraga a lasca detrubante de um trovão. Os riachos () () com seus pés invisíveis e líquidos para o () () no terreiro a roupa pendurada nos varais dança () numa pia macabra () Meus heróis, A velha casa da fazenda eu abria o volume da ilíada e deles saltavam os heróis argivos escalados de prata com peixes ou como comparsas de pantomima. E quando fitava o truculento Aquiles via na memória a errante estapefestre do lendário lente Diogo montado no seu rodamão de narinas fumegantes. Quando pensava em Ulisses Segui um bando de ciganos furdindo a trama das barganhas de cidade em cidade, bivacando à beira dos rios urbanos nas barracas de loura. E tinha vontade de escrever um poema sobre as façanhas do dioguinho. Meus deuses, meus pais trouxeram no lombo dos cavalos veleiros uma porção de deuses, harmoniosos () ágeis como discómonos, alvos como se fossem recortados no vibrante triângulo da vela latina. Trouxeram sátiros caprípides e amadríadas para a floresta verde, lindas sereias para as águas marinhas, níveas limpas para os aquários selvagens dos remansos fluviais () () e as samambaias estilizadas parecem barbas assírias. Mas nas águas dos rios da minha pátria banhava-se uma mulher indígena de olhos de espelho e cabelos de alga () ### ### espantou com a fumaça do seu anestesiante cachimbo os deuses imigrados e só ficaram os maridos selvagens e eu me prosterno aos pés dos maribanzos. Banzo, e por que deixou na areia do Congo a aldeia de Palmas? E por que seus ídolos negros não fazem mais feitiços? E por que o homem branco enganou com miçangas e atulhou o porão do navio negreiro com seu desespero covarde? E por que nunca é mais de anfora ao ombro a imagem da conga nas águas do quango? ### cachimbo na boca, parado de angústia, olhando o horizonte, calado, dormente, pensando, sofrendo, chorando, morrendo.

SPEAKER 2: : Não há destinação.

SPEAKER 1: : Por que teus olhos são verdes? Por que teu corpo é tão merodioso? Por que tuas mãos são tão longas? ### ###

SPEAKER 0: : igual esquecido no quarto que a lua não recolheu na sua pressa na altura. Imitador como um plagiário, decalca servilmente a imagem que reflete. Não tem memórias, não guarda na sua glacial retina indiferente o brilho de um olhar e a flor de um gesto. Entretanto, o corpo nubio dela deu de estátuas Miraculosamente lindas. Festa noturna. Creio que é no chato uma festa denesiana em honra da senhora A lua nova. As plantas organizaram uma luminária dependurado nos galhardetes as lanternas chinesas dos badaluis. ### Todo brejal sonoro é o alarido orquestral de uma ópera futurista. Risco o céu rojando uma estrela cadente que se desfaz em lágrimas de meteoros, e o crescente de fósforo navega na água morta do brejo do centauro-togal num canal de lindereza.

SPEAKER 1: : Lua Nova

SPEAKER 0: : A lua não avalou-se o seu denso de prata no céu do diaíme. É o barquinho de papel que soltei na enxurrada. Lembras, Benote, quando eras marinheiro? Eu já tive paluas e búzulos cargueiros, porque já fui dantero, o conde de Monte Cristo. ### ###