SPEAKER 0: ### ### Poucas são, não são poucas as figuras históricas de existência real que embele embelezadas e enriquecidas pelas lendas, foram invocadas em poemas ou se tornaram protagonistas de romances ou peças de teatro. E nesse caso, aquela que depois de morta foi rainha, inspirou centenas de cantigas, elegias, romances, tragédias e dramas. Na história, vêmo-la inicialmente pintada pelo velho cronista Fernão Lopes, que nos conta os fatos. A bela Inês, em mil trezentos e quarenta, chega a Portugal como dama do secto da infanta Constança, mulher de Dom Pedro, filho de Afonso quarto. Inês e Pedro, mutuamente atraídos, unem-se e têm filhos. Morre a infanta, Mas esta morte não favorece a aliança do casal. Ao contrário, precipita intrigas da corte que levam, por razões de Estado, ao sacrifício de Inês, apunhalada às margens do Mondego, em Coimbra, na que mais tarde foi chamada Quinta das Lágrimas. Esta é a trágica história e fazia-se necessária uma reparação que veio com a lenda. Poética intenção compensadora, visualizou um Dom Pedro, já rei, castigando até a morte os algozes da Amada e mandando desenterrá-la para que fosse coroada. Assim, depois de morta, foi rainha. E o mosteiro de Alcobaça abriga a sepultura do real par amoroso e de sua prole, que desperta, apesar do tempo transcorrido, e por isso mesmo, Intensa emoção naqueles que se detêm para contemplá-la. Foi o que sentiu o célebre filósofo Unamuno, que assim se exprimiu e em seu livro Por Terras de Espanha e Portugal. Disse ele que, o seguinte, em minha vida esquecerei esta visita. Naquela severíssima sala, entre a grave nobreza da branca pedra nua, à luz apagada e difusa de uma manhã de outono, as brumas da lenda atingiram meu coração. Uma paz cheia de saudades parece deitar-se naquele eterno repousadouro. A>
  • Conta-nos que, ao despertar uma noite, percebeu que poderia tratar a peça colocando os seus eus. e aproveitando apenas o esqueleto da peça, mantendo uma série de elementos e modificando outros e mesmo suprimindo. () Baseada no tema já tratado e retratado muitíssimas vezes, mas baseando-se especialmente nessa obra espanhola do século dezessete que acabara de conhecer. As principais personagens, a intriga, os lugares, certos nomes foram conservados. Por outro lado, então, modificou vários elementos que passaremos a estudar. E, segundo as suas próprias características, ele foi tratar um determinado tipo, ou trabalhar num determinado tipo de teatro. Um teatro literário, e não um teatro que não cuide da expressão verbal. Empregou, então, uma linguagem clara, pura, clássica, que () ataques de muitos críticos teatrais que taxaram a obra de puro teatro literário para ser lido, nele vendo apenas a supremacia da palavra, quando que ao lado da literatura há também o teatro. Tratou o tema de uma forma, digamos, tradicional. não abrindo mão às novidades formais, apesar de escrever a peça em mim novecentos e. quarenta. E tratou o tema de uma forma clássica, tradicional, inscrevendo-se na linha dos clássicos franceses do século dezessete, como Racine e Corneille, embora não adotando os versos alexandrinos e nem a divisão em cinco atos e outras outras características mais. Também deu importância ou deu uma importância especial à análise da alma humana, criando ou cultivando, então, o teatro dito psicológico, em que f é feita a análise da alma humana. Por quê? Como ele mesmo disse, para ele só tem valor, ou só tinha valor, um teatro psicológico. Tendo dito o seguinte, uma peça de teatro não me interessa que se () exterior reduzida a sua maior simplicidade, não é senão um pretexto para exploração do homem. o autor () por tarefa, não de imaginar e de construir mecanicamente uma intriga, mas de exprimir com o máximo de verdade, de intensidade e de profundidade um certo número de movimentos da alma humana. Ele vai proceder, então, à exploração do ser, à expressão dos movimentos da alma humana. Ele não concebia, ou não concebe, vamos pôr no presente, um teatro que não seja psicológico, teatro tão abjurado pelos dramaturgos do nouveau théâtre, contrários ao psicologismo tradicional. O que para os novos dramaturgos é antiquália, esclerose da arte cênica, para ele é excelência, a única forma de teatro digna de ser abordada. Tendo dito que, o seguinte, que quando nos falam de teatro psicológico como de uma certa forma de teatro, para mim, ao contrário, não há senão uma única forma de teatro digna deste um nome, que é o teatro psicológico. E assim, percorrendo sua obra, vamos conhecendo homens e mulheres, com o movimento de suas almas, com as suas eternas preocupações, angústias, sonhos. E é o que veremos da rainha morta. E veremos que, embora muita gente tenha dito da inatualidade da obra pelo fato de lhe colocar no passado e que ele tenha várias vezes afirmado seu desvinculamento em relação à sua época, Vemos que ele não pôde impedir-se de refletir na obra o clima de angústia, instabilidade, de terror e morte que dominavam a França e a Europa nos dias da composição da Rainha Morta. A ameaça de morte, então, que pesa sobre Inês. se agrava e ela inocentemente ouve as explicações do rei sobre a não relação entre a culpabilidade do oficial e seu castigo, uma vez que a (), diz o rei, pertence à ordem da política e não justiça. E, embora uma misteriosa sombra, a da infanta, a aconselhe a fugir, ela permanece e confessa ao rei que vai ser mãe. explodindo o choque entre ambas personalidades do que diz respeito à esperança, à fé, ao futuro, à vida. Em uma vertiginosa sucessão vêm a condenação à morte do oficial e a decisão da morte de Inês logo a após a sua confiante saída. E só no final da peça, em cena espetacular, em que as indicações cênicas falam de luzes e sombras, vão aparecer Inês, o rei, agora mortos.