Inquérito SP_EF_364

SPEAKER 0: : ### ### Poucas são, não são poucas as figuras históricas de existência real que embele embelezadas e enriquecidas pelas lendas, foram invocadas em poemas ou se tornaram protagonistas de romances ou peças de teatro. E nesse caso, aquela que depois de morta foi rainha, inspirou centenas de cantigas, elegias, romances, tragédias e dramas. Na história, vêmo-la inicialmente pintada pelo velho cronista Fernão Lopes, que nos conta os fatos. A bela Inês, em mil trezentos e quarenta, chega a Portugal como dama do secto da infanta Constança, mulher de Dom Pedro, filho de Afonso quarto. Inês e Pedro, mutuamente atraídos, unem-se e têm filhos. Morre a infanta, Mas esta morte não favorece a aliança do casal. Ao contrário, precipita intrigas da corte que levam, por razões de Estado, ao sacrifício de Inês, apunhalada às margens do Mondego, em Coimbra, na que mais tarde foi chamada Quinta das Lágrimas. Esta é a trágica história e fazia-se necessária uma reparação que veio com a lenda. Poética intenção compensadora, visualizou um Dom Pedro, já rei, castigando até a morte os algozes da Amada e mandando desenterrá-la para que fosse coroada. Assim, depois de morta, foi rainha. E o mosteiro de Alcobaça abriga a sepultura do real par amoroso e de sua prole, que desperta, apesar do tempo transcorrido, e por isso mesmo, Intensa emoção naqueles que se detêm para contemplá-la. Foi o que sentiu o célebre filósofo Unamuno, que assim se exprimiu e em seu livro Por Terras de Espanha e Portugal. Disse ele que, o seguinte, em minha vida esquecerei esta visita. Naquela severíssima sala, entre a grave nobreza da branca pedra nua, à luz apagada e difusa de uma manhã de outono, as brumas da lenda atingiram meu coração. Uma paz cheia de saudades parece deitar-se naquele eterno repousadouro. A li repousam para sempre os dois amantes joguetes que foram do fado trágico. Como aves agoureiras, vinha-me à memória os alados versos de Camões ao contemplar o túmulo. Descansam em dois pétreos túmulos, Pedro, o duro, o cruel, o justiceiro, o louco, talvez, e a linda Inês, e descansam de tal modo que, se se levantassem, dariam-se os rostos face a face e poderiam outra vez beber-se um ao outro o amor nos olhos. Tema tão interessantemente poético, tão intensamente poético, é óbvio, não poderia deixar, como dissemos, de atrair um número considerável de escritores, tendo havido numerosas versões e refundições já estudadas por eruditos autores. Vamos, então, fazer menção rápida à primeira obra poética que, numa associação de história e lenda, cultua a lembrança de Inês, vítima de seu trágico amor. Trata-se do poema de Garcia de Resende, do cancioneiro Geral, intitulado Trovas que Garcia de Resende fez à morte de Dona Inês de Castro, endereçadas às damas. Aqui, já aparece a figura do rei Afonso, opondo-se de início aos conselhos dos cortesãos, mas aceitando-os por fim e condenando Inês à morte. Apesar de que ela tenta defender-se, tirando partido de se sua situação de mãe, além de mulher. Vê-mo-la também coroada postumamente por Dom Pedro, o castigo dos culpados, E, no final do poema, os dois trágicos amantes já representados no panteão de Alcobaça, a cuja tão emocionante presença referiu-se também tão inspiradamente Unamuno em texto há pouco por nós lido. Mas, quem cantou de maneira inesquecível e, nesse caso, como todos nós sabemos, Foi Camões, nos célebres versos que somos tentadas a ler. Estavas, linda Inês, posta em sossego de teus anos colhendo doce fruito Naquele engano da alma, ledo e cego Que a fortuna não deixa durar muito Nos saudosos campos do Mondego De teus fermosos olhos nunca enxuto aos montes ensinando e às ervinhas o nome que no peito escrito tinhas. É evocação camoniana? Inês de Castro, viva e feliz! Mas já morta, vê-mo-la, secas, do rosto as rosas e perdida, a branca e viva cor com a doce vida. O que faz que com que toda a natureza frema participando da catástrofe? As filhas do Mondego, a morte escura, longo tempo chorando, memoraram. As lágrimas choradas transformaram e, por memória eterna, em fonte pura. O nome lhe puseram que inda dura, por amores de Inês que ali passaram. Vede que fresca fonte rega as flores, que lágrimas são a água e o nome amores. Versos inigualáveis, que fixaram com um lirismo tão terno, tão delicado, mas tão dilacerante, o trágico destino de Inês e Castro, que assim permaneceu magistralmente imortalizada. Amor e morte, isso é Inês de Castro. E são também Tristão e Isolda, Paulo e Francesca, Romeu e Julieta. Amores fatais, Amores inseparáveis da morte, como se o impulso erótico só pudesse levar às trevas para além da vida. Mas entre tantas figuras infelizes, a da doce Inês de Castro, vítima dos fatídicos amores, tem atrativo especial, tal a força dramática e o comovedor encanto que desprendem do fato histórico. O teatro não poderia desprezar matéria tão rica em força dramática. Inocência, delicadeza, interesses particulares, amor, associados à violência, crueldade, interesses de estado e morte. E foi o que aconteceu. Bastando-nos citar, como primeiro dramaturgo, o português Antônio Ferreira, autor da tragédia de corte classicista, eh, de grande despojamento quanto ao () interiores, que é Castro. A peça Castro apresenta momentos altamente líricos e em meio contemporânea de peças renascentistas que tratavam de sofonisba, como Trissino ou a peça, ahn, Cleópatra de Jodelle ou outras mais, preferiu Antônio Ferreira cantar um episódio da história portuguesa, afastando-se assim dos da rea reelaboração acadêmica de mitos clássicos. Essa peça, (), que não foi represen oh foi representada em vida, mas só foi publicada dez anos mais tarde, foi o ponto de partida de uma série de peças com o mesmo tema. E versões múltiplas invadiram os palcos portugueses nos séculos dezoito e dezenove, desde os árcades Manoel de Figueiredo e Reis Quita até os pós-românticos Lopes de Mendonça e Marcelino Mesquita. Mas o tema não podia restringir-se a Portugal. Daí passou a Espanha. E é um frade, um religioso, Jerônimo Bermúdez, professor de Teologia da Universidade de Salamanca, que se encontrava, então, em Portugal, que foi também cantar Inês de Castro, em duas peças. ### Considerou uma tradução livre, e foi ele também o autor de outra peça com Inês de Castro, que é nise laureada, mais original, mas com menos valor artístico, e onde pela primeira vez aparece no teatro a coroação, antes não aparecia, Antônio Ferreira, a coroação póstuma de Inês de Castro. E na Espanha o tema vai ser tratado com muita prodigalidade. Lope de Vega, o criador do teatro nacional espanhol, impressionado com o tema, compôs também sua Inês de Castro, que, por circunstâncias várias, o que era comum e que foi comum na época, tal peça, se perdeu, mas o título consta na relação dos títulos das comédias de Lope de Vega. Mexía de la Cerda e vários o vários outros escritores espanhóis trataram o mesmo tema. E eu me refiro aos autores espanhóis, porque foi por via espanhola que o tema foi tratado pelo dramaturgo do século vinte, Henry de Montherlant, francês, e no qual nos deteremos mais. Ahn,Vélez de Guevara, autor do século dezessete, tratou o tema Inês de Castro, mas com todas as características do teatro da época espanhol. À diferença de Antônio Ferreira, que tratou o tema de uma forma severa, profundamente trágica, já Luís Vélez de Guevara eh introduziu vários elementos que eram típicos do teatro da época, isto é, cantares populares, que quebram, de certa forma, a o clima trágico. Introduziu também na obra, a que é Reinar Después de Morir, Reinar Depois de Morrer, introduziu também, o que era vigente na época desde a reforma dramática de Lope de Vega, introduziu a figura do (), o figura de (), figura que tem sua origem na antiguidade, mas que foi introduzida no teatro espanhol com características especiais. Mas, em que circunstâncias esta peça espanhola teria sido imitada por Henri de Montherlant no século vinte? Explica-se. Mil novecentos e quarenta e um, o administrador da Comédie Française, Para prover o teatro com peças que não lhe trouxessem problemas com os nazistas, era ocupação alemã, apresentou ao dramaturgo Henri de Montherlant uma coletânea de quatorze peças antigas espanholas para que Henri de Montherlant procedesse à adaptação. E Entre as quatorze, Henri de Montherlant escolheu reinar después de morir de Véles de Guevara. Pretendia, de início, fazer uma adaptação, mas depois percebeu que não era precisamente aquilo que ele apreciava. E co Conta-nos que, ao despertar uma noite, percebeu que poderia tratar a peça colocando os seus eus. e aproveitando apenas o esqueleto da peça, mantendo uma série de elementos e modificando outros e mesmo suprimindo. () Baseada no tema já tratado e retratado muitíssimas vezes, mas baseando-se especialmente nessa obra espanhola do século dezessete que acabara de conhecer. As principais personagens, a intriga, os lugares, certos nomes foram conservados. Por outro lado, então, modificou vários elementos que passaremos a estudar. E, segundo as suas próprias características, ele foi tratar um determinado tipo, ou trabalhar num determinado tipo de teatro. Um teatro literário, e não um teatro que não cuide da expressão verbal. Empregou, então, uma linguagem clara, pura, clássica, que () ataques de muitos críticos teatrais que taxaram a obra de puro teatro literário para ser lido, nele vendo apenas a supremacia da palavra, quando que ao lado da literatura há também o teatro. Tratou o tema de uma forma, digamos, tradicional. não abrindo mão às novidades formais, apesar de escrever a peça em mim novecentos e. quarenta. E tratou o tema de uma forma clássica, tradicional, inscrevendo-se na linha dos clássicos franceses do século dezessete, como Racine e Corneille, embora não adotando os versos alexandrinos e nem a divisão em cinco atos e outras outras características mais. Também deu importância ou deu uma importância especial à análise da alma humana, criando ou cultivando, então, o teatro dito psicológico, em que f é feita a análise da alma humana. Por quê? Como ele mesmo disse, para ele só tem valor, ou só tinha valor, um teatro psicológico. Tendo dito o seguinte, uma peça de teatro não me interessa que se () exterior reduzida a sua maior simplicidade, não é senão um pretexto para exploração do homem. o autor () por tarefa, não de imaginar e de construir mecanicamente uma intriga, mas de exprimir com o máximo de verdade, de intensidade e de profundidade um certo número de movimentos da alma humana. Ele vai proceder, então, à exploração do ser, à expressão dos movimentos da alma humana. Ele não concebia, ou não concebe, vamos pôr no presente, um teatro que não seja psicológico, teatro tão abjurado pelos dramaturgos do nouveau théâtre, contrários ao psicologismo tradicional. O que para os novos dramaturgos é antiquália, esclerose da arte cênica, para ele é excelência, a única forma de teatro digna de ser abordada. Tendo dito que, o seguinte, que quando nos falam de teatro psicológico como de uma certa forma de teatro, para mim, ao contrário, não há senão uma única forma de teatro digna deste um nome, que é o teatro psicológico. E assim, percorrendo sua obra, vamos conhecendo homens e mulheres, com o movimento de suas almas, com as suas eternas preocupações, angústias, sonhos. E é o que veremos da rainha morta. E veremos que, embora muita gente tenha dito da inatualidade da obra pelo fato de lhe colocar no passado e que ele tenha várias vezes afirmado seu desvinculamento em relação à sua época, Vemos que ele não pôde impedir-se de refletir na obra o clima de angústia, instabilidade, de terror e morte que dominavam a França e a Europa nos dias da composição da Rainha Morta. A ameaça de morte, então, que pesa sobre Inês. se agrava e ela inocentemente ouve as explicações do rei sobre a não relação entre a culpabilidade do oficial e seu castigo, uma vez que a (), diz o rei, pertence à ordem da política e não justiça. E, embora uma misteriosa sombra, a da infanta, a aconselhe a fugir, ela permanece e confessa ao rei que vai ser mãe. explodindo o choque entre ambas personalidades do que diz respeito à esperança, à fé, ao futuro, à vida. Em uma vertiginosa sucessão vêm a condenação à morte do oficial e a decisão da morte de Inês logo a após a sua confiante saída. E só no final da peça, em cena espetacular, em que as indicações cênicas falam de luzes e sombras, vão aparecer Inês, o rei, agora mortos. trasta-se de extraordinária extraordinária cena silenciosa. Em meio a um impressionante silêncio, a sala onde o rei acaba de morrer e a qual acodem os cortesãos que o rodeiam, é trazido o corpo de Inês. Deixando o rei, que fica completamente isolado, um a um, vai ajoelhar-se em círculo junto ao corpo da jovem. A realeza passa instintivamente dele para ela, já que Dom Pedro vem pousar a coroa real sobre o ventre da amada. vejamos a personagem de Inês. Inês, da criação de Montherlant, não é mais a mãe de dois filhos, como dissemos, e como aparecem em várias peças. E sim, a amante que aguarda o nascimento do primeiro filho. Fato que a bele embeleza e como que a purifica em certo sentido. Ou a amante que não pode viver sem o seu amor, amor que ela exprime, seja Pedro, em vários duetos amorosos, diríamos, ambos trocam, frases exaltadas de amor. É o amor que ela exprime também à própria rival, a infanta, e ao rei. É a amante que não pode viver sem seu amor, o que a faz exclamar. Não, não, eu não posso mais ser ou estar em outra parte senão ao lado dele. Não importa com que condição, mesmo a mais miserável, com a condição que eu não o abandone. e, se for preciso, morrer com ele ou por ele. ### Desejando Inês aniquilar-se e absorver-se no amor expresso ao rei nestes termos. Eu gostaria de me enterrar no mais profundo do amor, partilhado e permitido, como numa tumba, que tudo cessasse e tudo cessasse. Inês é a amante, por excelência, mas também mãe. e há verdadeiros cantos de amor materno, de beleza ímpar. E o próprio Montherlant considerava esses cantos como uma espécie de tour de force, onde, mais do que nunca, havia desdobrado seu virtuosismo para penetrar na psicologia de uma jovem futura mãe. Virtuosismo que se revela nas variações com que trata o tema. As palavras de Inês, falando do filho, no ato dois ou no ato três, não são as mesmas do ato um. Sua expressão adquire novos matizes, de maneira que, se no ato um dá a impressão de uma jovem que pensa, sonha poeticamente com a maternidade, já a do ato dois transmite, inclusive, as sensações físicas da mulher que aguarda um filho. como que acusando o () do tempo e o amadurecimento da personagem diante de seu estado. Já no ato três, em que fala do filho, não mais a Pedro, mas ao rei, quando lhe revela o seu segredo, que vai ser mãe, há um transbordamento de amor materno. Assim para ela, o filho, diz ela, é o sonho de meu sangue. Ele é uma revisão antes, uma segunda criação de mim. Diz ela mais adiante, eu o faço junto e eu me refaço, eu o levo e ele me leva, eu me fundo nele, eu verto nele o meu bem. É por isso, por esse amor extraordinário que ela tem pelo filho, é que ela se opõe indignada ao rei que repinta sadicamente um quadro sinistro da maternidade, cheio de tristezas e de decepções. Ela está tão fascinada pela maternidade que ela diz ao rei, eu creio que toda mulher que dá à luz pela primeira vez é, com efeito, a primeira mulher que põe alguém no mundo. É como se ela fosse a primeira mãe do mundo, e no seu exaltado amor materno, visualiza o filho já nascido, correndo ao seu lado. E assim ela diz, parece-me que eu o vejo com cinco ou seis anos. Veja, ele acaba de passar correndo pelo terraço. Correndo ele se voltou também, meu pequeno. Ela o vê, seus traços, seus gestos, de maneira que a criança que vá nascer, diz ela, tem já o seu passado. frase que ressoa tristemente diante da realidade da obra, pois essa criança e a sonhadora mãe não viverão, não terão futuro. Em toda cena de diálogo entre ela e o rei, ela opõe as palavras decepcionantes ou decepcionadoras do velho rei, que lhe previsa abandono, mediocridade. Ela opõe sua esperança juvenil sua fé na vida, num íntimo hino de amor à vida, ao futuro. Nessa cena explode a oposição entre a candura, então, a fé, a esperança, o amor de Inês, e o ceticismo, a aspereza, a desesperança, o amor do velho rei, fazendo com que sua cabeça fique aureolada cabeça de Inês por uma luz de doçura ímpar. Uma Inês, mãe de dois filhos, como na obra de Véles de Guevara ou na de dos éh outros dramaturgos, não suscitaria, talvez com igual intensidade, a reação por parte de leitores e espectadores. O filho que está para nascer a torna como que mais frágil e vulnerável aos golpes inimigos, despertando, consequentemente, maior simpatia e compaixão. Não só é ela assassi assassinada, mas também o filho, que não chegará a ver a luz. Um duplo crime de inocentes. Inês montherlantina é toda amor e ternura, como os antecessores Mas seu amor por Pedro é levado ao paroxismo, confundindo marido e filho no mesmo senti mento. Ela é amante-mãe. A mãe não luta contra a amante. Antes se unem, visto que marido e filho se confundem no mesmo amor. amor se desdobrará, conjugal e materno, quando nascer o filho. Enquanto isso, está disposta a tudo para defendê-lo. exceto optar pela própria vida e abandonar Pedro. Como vemos, esta criação francesa da

Inf :eliz Galega deu-lhe uma nova dimensão. Montherlant, tal um Racine do século vinte, soube fazer com Inês de Castro o que aquele clássico do século dezessete, Racine, fez com Andrômaca, embelezou-a, colocou-a numa esfera mais privilegiada. Mas a peça não é só a ideia de (). E como dissemos, Montherlant fez outras modificações. Assim, o amado De Inês, Pedro. Montherlant também o transformou, embora não lhe tenha dado a mesma dimensão que deu a sua heroína. Se Inês não é ainda mãe, Pedro também não é o viúvo da infanta de Castela, como na peça do dramaturgo () ou de Antônio Ferreira e outros. transformações visam a rodear o par amoroso de um halo de maior juventude e frescor. Suas emoções e sentimentos são novos, inéditos. Mas há duas personagens, entretanto, do Montherlant uma importância notável que não havia nos dramaturgos anteriores. A infanta não aparece senão duas vezes na obra, mas ela não pode ser esquecida tal a força da sua presença, o arrebatamento de seus atos e palavras. De início, A infanta lança-se como um furacão contra o rei, e em seguida contra Inês, mas para protegê-la, defender a própria rival, talvez para opor-se aos planos dos inimigos, opor-se ao rei, mas também para mostrar-se superior, proteger a própria rival. No dramaturgo espanhol ponto de partida de Montherlant, a infanta, a noiva abandonada, dirigia ameaças sutis a Inês. E, por contraste, acentuava a doçura, a fragilidade, a delicadeza de Inês. Já, em Henri de Montherlant, não é mais a ameaçadora rival, mas a protetora. Mas a oposição continua. Se Inês é toda ternura, amor, fragilidade feminina, submissão ao ser amado, a infanta é orgulho, altivez, vigor, viril. É o tradicional procedimento antitético de seguro efeito teatral. Mas devemos deter-nos um pouco mais no rei, pois, como dissemos, a peça Inês, a vítima e o rei o algoz. O rei parece apresentar maior atrativo por sua personalidade ambígua, complexa e incaptável. Ele não tem mais nenhuma razão de estado para consentir na morte de Inês. Tendo a infanta, que ele apresentou ao filho como noiva, decidido a retornar a Navarra, o problema praticamente desapareceu no momento. Montherlant, de uma psicologia bastante complexa, estranha, e podemos melhor compreender sua concepção, lendo o posfácio da peça A Guerra Civil, uma de suas últimas obras, em que o dramaturgo escreve o seguinte. Vê-se sempre César, Napoleão, como perfis de medalha. Ao contrário, são antes personagens dos quais é difícil determinar os contornos. Com efeito, para Montherlant, os seres são movediços, instáveis, incongruentes, de difícil, pois, captação. E salienta ainda o próprio autor, num texto, relendo a rainha morta, o seguinte, O teatro é fun fundado na coerência dos caracteres e a vida é fundada na sua incoerência. onde a coerência do rei é de ser incoerente. O rei mostra bem, o barroco, claro e escuro do homem em geral, mas nele levado ao extremo. Como diz o príncipe Pedro, Querer definir o rei é querer construir uma estátua com a água do mar. A dubiedade do rei, suas luzes e trevas estão bem pintadas pelo pajem Dino del Moro, personagem inventado por Montherlant. Esse adolescente, Dino del Moro, descreve o rei como (), alternativamente obscuras e luminosas. luminosas e obscuras. Trata-se de caráter que não se () nunca e que vai ao contrário, obscurecendo-se ao longo da peça, até a decisão final, que está envolta em penumbra. Não pode ver com clareza, dentro de si e dilacerado, lança, pouco antes de expirar, desesperado grito de ressonâncias shakespearianas e mesmo as hamletianas. Grita ele, ó meu Deus, desta trégua que me resta, antes que eu sabre, repasse e me esmague. Faça que ele corte este nó espantoso de contradições que existem em mim, de maneira que, num instante ao menos, Antes de cessar de existir, eu saiba, enfim, o que eu sou. Após a ordem de assassinar Inês, por quem se sentira atraído, já se interrogara sem resposta sobre as razões de seu ato no começo da última cena. Dissera ele, por que que eu a mato? Há sem dúvida uma razão, mas ele não a distingue. Não somente Pedro não se casará com

Inf :anta, mas eu o armo contra mim inespiavelmente. Eu acrescento ainda um risco a este horrível manto de riscos. Por que que eu a mato? Ato inútil, ato funesto. Mas minha vontade me aspira e eu cometo a falta sabendo que é uma. manda, no entanto, exterminá-la, sabendo da inutilidade dessa morte. Ele que antes reagira tão veementemente contra os conselhos dos gentis homens da corte, e mais particularmente contra o ministro Ergas Coelho, cujo perfil aparece nesta peça mais forte do que nos dramaturgos anteriores. Revoltara-se contra o que julgava uma arbitrariedade, um ato absurdo, sem sentido. Tenho dito. Como? Fazê-la morrer. Que excesso incrível. Se eu a se eu mato alguém por ter amado meu filho, o que eu faria pois a quem o tivesse odiado? () devolveu o amor com o amor, e ela o fez com o meu consentimento. amor pago com a morte. haveria grande justiça, diz ele. a inutilidade do ato, a injustiça. Mas a ordem do extermínio é dada, como se ele estivesse cansado de vacilar, tendo dito que ao menos eu me desembarasse imediatamente deste ato. Um remorso vale mais do que uma hesitação que se prolonga. É esse cansaço de decidir, de pesar decisões que já manifestaram no curso da peça, ao dizer, eu examinarei isto mais tarde, ou então, eu decidi demais por hoje. Depois, o rei, um tipo abúlico, neurastênico, como definiu o próprio Henri de Montherlant, já que morte Inês, um problema a menos, solicitará sua atenção e intervenção. É também um sádico, se considerarmos o deleite, que experimenta diante do mal do qual ele é o causau causador. Ele próprio que se analisa, dizendo, mais eu meço o que há de injusto e de atroz no que eu faço, mais eu me a enterro, mais aí eu me comprazo. sádico, mas ainda um velho rancoroso, que próximo da morte odeia a vida que se lhe escapa e, portanto, aquela vida que Inês traz dentro de si, apesar de ser esta um prolongamento da sua. Nele existe o cansaço não só de decidir, mas ainda o ódio da vida, Esse o cansaço de ver, de pressentir a continuação da vida, que está abandonando lenta, mas inexoravelmente. E, conversando com Inês, diz com amargura, você faz parte de todas estas coisas que querem continuar, continuar. Uma criança, ainda uma criança, isto não acabará jamais, ainda uma primavera para recomeçar, e a recomeçar menos bem. O rei ### É uma personagem estranha, e ele o reconhece, tendo dito, isto é estranho, mas não há senão coisas estranhas no mundo, e tanto melhor, porque eu amo as coisas estranhas. E é por sua própria estranheza, e por seu gosto pelas coisas e seres que se lhe parecem, que sente admiração pela infanta. ###