SPEAKER 0: Francamente, eu acho um pouco mais fácil falar das experiências pessoais do meu desenvolvimento (riso) ãh do que ah discorrer (riso) ãh sobre ah a vida do ser humano em abstrato. Me parece que a vivência pessoal dos problemas do desenvolvimento ah podem revelar ãh certos problemas de comunicação ãh que eventualmente venham a ter ãh interesse para o linguista. Em relação à minha infância, tão longe quanto eu posso... ou melhor, ah mergulhando no passado, e isso me comove de uma certa maneira (riso), porque eu tive uma infância muito ãh assim muito contemplativa e muito Eu diria atualmente, como adulta, que essa infância foi muito poética (riso). Porque, é sendo a única a única menina numa constelação familiar ãh inteiramente masculina, ãh eu tenho cinco irmãos ah. Isto criou assi> de relacionamento, de ah de vivências pessoais, eh que, eu creio ãh, uma menina nascida numa constelação familiar né, ãh em que haja equilíbrio né ãh entre o número de irmãos e de irmãs, não tenha eh não não não tenha experimentado né. O primeiro problema (riso) que eu enfrentei foi o do, como não podia deixar de ser, ah o da superproteção. sendo menina, com uma consti constituição ãh muito delicada e que naturalmente parecia mais delicada ao lado, ãh vamos dizer, da robustez e agressividade dos cinco meninos (riso) né ãh eh. Isto ãh hum provocou ### de certos tipos de brinquedo (riso) não é, ou de jogos né, ou de atividade lúdica, que pudessem trazer eh algum dano para aquilo que eles consideravam, dentro da família, uma violeta né (riso), uma violetinha ãh. Quando eu disse que hoje eu sinto a minha infância como assim um período poético, eh era nisso é que eu estava pensando. ### Tacto mesmo no sentido de... eh ah. No sentido de tocar. ### De pegar. Não é (riso) ãh que poderiam produzir, eh ou poderiam influir, talvez né, na ou provocar certos tipos de reação ãh que eles não gostariam de ver de uma menina. Se, por um lado, ah isto eh né esta atitude ãh contri contribuiu para esta vivência emocional né de assim ah delicadeza não é ãh no que se refere à presença de uma do elemento feminino dentro num num conjunto masculino. Por outro lado, ãh trouxe alguns problemas de desenvolvimento, porque eu me via constantemente assim é cerceada nas iniciativas né. Quer dizer, criou-se para mim um padrão assim de expectativa ah a que eu deveria corresponder, para obter, naturalmente, a aprovação (riso) do meio familiar, e que, vamos dizer, às vezes não era aquele, eh vamos dizer, ah e eh o uh que não era ou que não correspondia a a à minha necessidade íntima de atividade (riso), ou de iniciativas né, ou de desejos, et> Pensar e tentar sentir a nossa infância ah é uma experiência ah que comove (riso). É o que eu estou sentindo agora mesmo assim, uma comoção ah. ### A pri> Eu vou contar ãh duas experiências que eu tive com os meus irmãos (riso) né e que acho que eh revelam algo de duas duas fases da infância ah. Como também revelam características assim psicológicas do relacionamento entre entre irmãos. Eu tinha uma boneca que se chamava Lila (riso) eh. Foi presente eh de minha madrinha de batismo e que já é falecida atualmente. Ãh os meus irmãos ah tinham alguns amigos na vizinhança que costumavam vir brincar conosco, porque a nossa casa tinha um quintal muito grande e então e favorecia né ah o encontro da das crianças do bairro. Bom, ah o brinquedo proposto nesse dia que eu ãh né eh de que estou me lembrando havia sido eh eh hum foi o julgamento de Lila. da minha boneca (riso). Um dos meus irmãos vestia-se de de padre, o outro vestia-se de juiz (riso), com as roupas dos dos irmãos mais velhos (riso) e e e de meu pai ãh. Um dos vizinhos era um polícia e a As outras crianças menores, inclusive eu, a dona da boneca, éramos espectadores (riso) do julgamento (riso). Bem, a Lila foi presa porque havia cometido algum crime, que eu não me lembro mais, ou havia sido acusada de roubar qualquer coisa na cozinha, uma coisa desse tipo, e ah eh compareceu ao ao tribunal ãh, onde estava não, ao tribunal, acompanhada por um um um vizinho que era um policial, e diante do tribunal, ah o juiz a interpela pelo fato de ter se apropriado de algo alheio, etc., e o julgamento foi terrível porque ela deveria, como não podia restituir do que havia roubado, então ela deveria ser enforcada (riso). Enforcada e queimada. O julgamento parece que não não faz muito sentido né, mas ah revela um pouco acho que das normas morais (riso) muito restritas da infância, né. Bom, ah... Para a minha tristeza, ela foi condenada, julgada, amarrada num varal (riso), ãh e enforcada, Mas, nessa altura do jogo, já estavam todos tão entusiasmados que resolveram pôr fogo na boneca (riso). E puseram. Não é? Como a boneca era de (), o resultado é é que ela incendiou-se num (riso) instante. E eu, do outro lado dos espectadores né, eh ao mesmo tempo sentindo o entusiasmo e as palmas dos outros né, que estavam envolvendo a brincadeira fatídica, Saí, naturalmente, em lágrimas e chorando, porque tinha perdido a minha boneca né (riso). Bom, este eh esse incidente eh revela muito né do ah (tosse) dos laços ãh de ãh de ciúmes que, me me parece né, devem haver entre os irmão. Hoje eu tenho a impressão de que aquela boneca representava para os meus irmãos a própria irmã né (riso), a própria irmã de quem eles tinham ciúmes (riso) né, porque era a preferida dos pais né ãh. Um outro um outro hum acontecimento relacionado com a minha infância liga-se com uma outra boneca também. Essa chamava-se Maria Luisa. Era uma boneca linda de louça, com quem eu nem brincava muito, porque tinha medo de quebrar. Nesta altura eu já estava no no Jardim da Infância, e ah um dia volto da ah da escola, nesse tempo o Jardim da Infância ficava na Praça da República, e e era um jardim muito lindo, e eu gostava muito de de de frequentar esse jardim. Bem, eu volto uma tarde da escola e encontro a minha mãe extremamente preocupada, com revelando um mal-estar, No no meu íntimo, eu já já percebi que alguma coisa ia acontecer, alguma coisa e ela ia me contar de desagradável não é. Quando eu subi para o meu quarto, ah ela subiu junto e de e já foi me prevenindo com muito jeito para dizer, olha, sua boneca Maria Luísa já não está mais lá em cima da penteadeira. Ah aí eu perguntei, mas o que foi que aconteceu? que a cabrita arrebentou a cordinha que a prendia na na viga do telhado do tanque, salta por aquele vão do muro e caiu no no ãh no meio das crianças né, ao lado da cachorra, () no nosso quintal. Ela se assustou com a cachorra, a cachorra com ela, e sai e sai a cabrita disparada pelo quintal, dando volta, a cachorra atrás, o meu irmão maior atrás da cachorra, e nós (riso) se seguindo todo o bando e dando volta pelo quintal (riso). ### Uma verdadeira (). Uh uma certa altura, o meu irmão o maior, ah para ãh completar a brincadeira, resolve sumir eh subir no no mamoeiro, ãh fingindo que estava fugindo da perseguição da cabrita e da cachorra né. Mas o mamoeiro não aguenta com o peso do corpo dele e () (riso) quebrando. SPEAKER 2: Aí é que o berro foi (riso) mesmo né (riso) muito (riso) muito natural. Eu vou morrer! (riso) (). () (riso) Eu vou morrer! (riso) Gritava de lá de cima do mamoeiro e o mamoeiro caiu e e> SPEAKER 0: SPEAKER 1: <ão. Certo. Vamos mudar () um pouco de rumo, dentro da família mesmo, ah a saúde, a senhora falar sobre a saúde os problemas. O senhor me pede para falar sobre os problemas de saúde. SPEAKER 0: Mas em que ### SPEAKER 1: ### SPEAKER 0: Que eu me lembre, ãh bom vamos dizer, eh tanto ### ### Como nós tínhamos muitos amigos médicos também, ãh quer dizer, os cuidados ãh eram assim muito precisos e (riso) feitos em casa mesmo ah ah. Eu só me lembro de agitação na família ah em relação ao problema de saúde ãh. Não assim relacionada com doenças, mas sim com acidentes né. Numa família onde há muitas crianças, os acidentes acontecem mesmo né. Um dos meus irmãos, por exemplo, foi atropelado por automóvel três vezes. E em uma das vezes, o acidente foi muito sério ãh. Um outro, uma vez, quebrou um braço. (riso) e, bom, mas isso não tem, propriamente, relação com doença. Quanto, vamos dizer, a doenças dos meus pais, nunca me lembro de tê-los SPEAKER 1: visto doentes. (). É. E fora do círculo da sua família, como a senhora via e vê hoje SPEAKER 0: como algo inevitável (riso). Eu (riso) vejo as doenças como algo inevitável. Parece que elas elas fazem parte né do do processo de desenvolvimento de ser humano ãh. É um problema, ãh ao mesmo tempo, ãh não é propedêutico e terapêutico não é. Exige um esclarecimento, ah eh um esclarecimento das pessoas, ãh vamos dizer, para evitar contraí-las né, e daí () e também, se no caso de ter contraído uma doença, saber tratar, isso é evidente ah eh. Essas duas essas duas posições ficam agora muito claras ãh, hum muito claras ãh aqui em relação ao ambiente da capital, porque a poluição está trazendo certas certos efeitos né sobre, eh vamos dizer, os pulmões, laringe eh, nariz, olhos, etc né. que precisam ser constantemente tratados etc para evitar agravamento né de sintomas. Bem, falar de doença é algo um pouco ãh triste, dramático, porque eh isso lembra (riso) as pessoas que não tendo acesso a informação, não sabem evitá-las ou não sabem tratá-las, ou então não tem os recursos ãh necessários para isso né ah. Como eu moro hum mais ou menos perto do hospital das clínicas, então é frequente estar vendo né (riso) o tipo de pessoas que procuram o pronto socorro do hospital das clínicas. E ah e como não é hum é impressionante não é o número das pessoas que dependem desta assistência pública né. () Desse ponto de vista comparativo, como a sua pergunta, as doenças vistas no no passado e vistas atualmente, ah ah o O primeiro aspecto, sabe o que me parece importante? Eh eu nem me lembro, por exemplo, na minha infância, na minha adolescência, é de ouvir comentários em família sobre ãh doenças neuróticas, ãh nervosismo. As pessoas me pareciam mais estruturadas, mas também mais equilibradas ãh. E tinham mais tempo também né para a convivência humana. Esse aspecto atualmente é característico de todos que () disso aqui na capital não é? É lógico que as minhas observações todas dizem respeito a uma pessoa que nasceu, cresceu eh (riso) e ah continua morando na capital de São Paulo né ãh. Eh hoje o comentário mais frequente que se ouve entre os jovens, até mesmo entre as crianças, entre as pessoas adultas, é este, né? Ei, estamos nervosos, () não é eh. Não só está nervoso porque o trânsito não funciona, porque os telefones não funcionam, porque não tem horário acertado para alimentação, ou porque está com excesso de trabalho. Ou porque não tem tempo para diversão e mais isso. E e né e todo isso e todos esses fatores somados eh, produzem mesmo uma doença nervosa gene> Eu espero ter ãh atendido né os critérios da entrevista, ah sem dúvida mas ãh não é fácil falar de si mesma (riso). ()