Inquérito SP_DID_064

SPEAKER 0: : Gravação do dia quatorze de agosto de mil novecentos e setenta e dois. Então, como é que gostaria, eu lhe pergunto, desde a construção, como é que imaginaria a sua casa, uma casa ideal? Bom  () tipo de de material de construção?

SPEAKER 3: : Eu vou responder a sua pergunta () sem me preocupar com o que pudesse ser freudianamente interpretado () o que eu vou dizendo Mas realmente, ah uma casa que eu consideraria ideal Seria pelo menos parecida com uma que vi certa vez em alguma revista, eh que eu seria incapaz de mencionar qual fosse agora, mas vi reproduzida numa fotografia colorida, espetacular. Provavelmente era uma revista alemã de de arquitetura ou coisa que () eh É realmente sensacional. Essa casa era toda ela construída sobre um pilar. ou seja, sobre um uma colunata nos Alpes, eh em forma circular, com janelas em toda a extensão, janelas de rayban em toda a periferia, digamos assim, da casa, e, com e portanto, com vista panorâmica deslumbrante ali dos Alpes. o meio pelo qual se tinha acesso à casa era duplo, ou seja, havia um um elevador dentro da própria colunata para quem chegasse por baixo. E também havia uma ponte entre a casa e a parte superior, digamos assim, de um o da da estrada, donde Haveram duas possibilidades de acesso, portanto. Mas a casa em si parecia () isolada ali, no centro de uma floresta de pinheiros. E, como já disse, com uma vista panorâmica notável.

SPEAKER 0: : E do ponto de vista, assim, de de ornamentação exterior? Exterior ainda. Era só a natureza ou não?

SPEAKER 3: : Bom, eh a estrutura era de cimento armado. Mas, apesar do peso, digamos assim, natural do material utilizado, os o efeito os efeitos arquitetônicos davam realmente a impressão de extrema leveza. Quase como se fosse um disco voador, assim. Enorme e, ao que parece, muito confortável. Aliás, havia fotos também do do interior, mas eu confesso que não me recordo bem das fotos de interior. Sim. Lembro-me muito bem, sim, da da da foto maior que () apresentava a casa do lado de fora. Agora, eh ela era extremamente simples quanto à decoração externa. Notava-se que tinha sido utilizado o melhor material possível, principalmente em matéria de metais, ou seja, estruturas metálicas nas nas janelas. mas nada colorido. Ela era toda branca, e eh e digamos, ãh cor metálica, propriamente dito () tendendo para para o cinza, como se chama essa cor. () Sob os raios solares aquilo brilhava, que era uma maravilha.

SPEAKER 0: : Lembra da cobertura assim como é que (), que era feita de que material ou não?

SPEAKER 3: : Pelo ângulo da da fotografia não se via propriamente a cobertura. Mas eu tenho a impressão de que poderia ser algum tipo de... Eh () sabe, eu () eu confesso que não me lembro como era, mas se a se a casa fosse minha, eu faria uma açoteia. (riso) Ah, sim. ### Uma a açoteia circular, entretanto, portanto um pouco herética para para quem inventou a açoteia. Os árabes fazem as açoteias em cubos, né? Em casas cúbicas ou em forma de cubo. Aliás, eu me lembro de uma cidadezinha do Algarve, que não é nem cidade, não tem o status de cidade, mas é uma vila chamada () Toda ela formada, ou quase toda ela, formada por casas em forma de cubo.

Inf :luência Moura, naturalmente. E caiadas de branco. Dando um aspecto bastante () romântico, poético. O mesmo estilo, diga-se de passagem, das casas de Marrakech, com a única diferença de que as casas de Marrakech são cor de rosa.

SPEAKER 0: : () alguma predileção pela cor aí? Alguma justificativa não?

SPEAKER 3: : Quanto à cor? Bom, segundo os algarvios, O algarve todo é branco, né? Aham eh Segundo os algarvios, eh isto é assim porque o algarve é a parte mais quente de Portugal e o branco seria, então, uma forma de defesa contra o excessivo calor. Mas, a valer esse argumento, não entendo porque que em Marrakech são cor-de-rosa.

SPEAKER 0: : Estava estranhando justamente () Por causa da influência e e diferença de colorido. Talvez aí seja, talvez, um problema de matriarcado do outro lado, não?

SPEAKER 3: : Ah, a senhora gostaria de fazer inferências () () Não, mas vamos voltar lá para a sua casa. Você não viu o interior dela, mas vamos imaginar como é que gostaria que fosse. Bom, como () é circular há mil e umas possibilidades, né? Eu tenho a impressão de que sendo o círculo uma () figura geométrica de certa forma ela permite muito maior versatilidade do que formas retangulares ou quadradas, né? Eh Uma das possibilidades, por exemplo, seria a de dividir a casa com compartimentos triangulares ou semi-triangulares. () Estou imaginando uma forma trapezoidal Se é que () se pode chamar de trapézio uma figura em que um dos lados é curvo. Não sei, sinceramente, como se chama essa figura em geometria. Porque uma das partes teria que ser curva, é claro. Eh O elevador, entretanto, teria que estar no centro da casa. Portanto, em torno do elevador se formaria, também em forma circular, () dando acesso à às diversas partes da casa que poderiam ser intercomunicáveis e facilmente intercomunicáveis, ou seja, o trânsito seria facilitado pela própria forma circular da casa.

SPEAKER 0: : Em matéria de conforto assim, o o que você acha que deveri

SPEAKER 3: : Eu gostaria que fosse a mais funcional possível, porém, sem entender essa funcionalidade, Como no sentido, sei lá, () das casas que se vêem nesses desenhos animados do do Jetson, (riso) dos Jetson. Aquilo também eu já acho que é que é um exagero, porque a pessoa não tem sequer o direito de andar na casa, né? Ela é le ela é levada por eh tapetes, corrediços, ou ou coisa que o vale. E isso também eu já acho que seria um pouco de exagero. Eu entendo como conforto e funcionalidade, conjugados, ah uma condição de bem-estar. Sim Afinal de contas, acho que o indivíduo tem o direito de sentir-se bem, pelo menos em sua própria casa. Além da dos compartimentos indispensáveis em qualquer casa, eu acho que eu faria questão de ter uma sala acústica. Uhum. Essa sala acústica, por sua vez, construído de maneira tal que permitisse um relax completo para se ouvir boa música sem influência de sons externos. Eh eu imagino mesmo assim... () Ne nessa sala eu colocaria o máximo de de modernismo e funcionalidades. Por ex Realmente o máximo. Por exemplo, um um painel de controle geral em que se pudesse a quem estivesse sentado, eu diria quase que deitado, nu numa senhora poltrona no centro da sala, ãh permitindo, com esse painel, inclusive escolhas de determinados trechos de fitas, por exemplo. Então, talvez fosse necessário um mini computador, no caso, viu?

SPEAKER 0: : (risos) Por que não? Estamos na época.

SPEAKER 3: : Exatamente, no qual você colocaria ali uma fichinha ãh que, traduzida em termos eletrônicos, iria escolher um gênero determinado, por exemplo, sinfonias, ãh um compositor determinado, Beethoven, determinada sinfonia e determinado (riso) trecho dessa sinfonia, ou sei lá, opus, e tal () Se bem que eu falei em em Beethoven, mas antes de Beethoven eu gostaria de ouvir Bach. Uhum. Principalmente suas peças para órgão. Aquilo seria realmente extraordinário. Se bem que se, talvez se pudesse até fazer uma extensão dessa sala acústica, já agora em tamanho maior, para o próprio vale, porque eh não se esqueça que a casa () no vale. Agora, o vale já tem condições acústicas sensacionais, né? Então precisaria comprar o vale. ###

SPEAKER 0: : ### ### Você não. A gente está falando em termos ideais, não é? (riso) ()

SPEAKER 1: : É, em sonhos a gente se permitir tudo ()

SPEAKER 0: : Agora, me diga uma coisa. () Bom, além de todo esse condicionamento acústico, () o que o que haveria nessa sala, especialmente? Eu estou visualizando, eu tenho uma memória () fantástica. Então, o que mais?

SPEAKER 3: : de boa borracha, borracha de latex ou latex, () eh coberta de couro, () de muito boa qualidade, liso, completamente liso, sem nenhum desenho, e verde, um verde garrafa, bem escuro. E no chão? () vamos pensar no chão. Para combinar com o verde agora () verdadeiro desafio. ###

SPEAKER 0: : (risos) Poderia ser o caso, a gente não tem preconceito.

SPEAKER 3: : Mas teria que ser uma cor clara, o branco, por () Um tapete assim de eh dez centímetros de altura.

SPEAKER 0: : Sim, pode pode ir sonhando. (risos)

SPEAKER 3: : Totalmente branco.

SPEAKER 0: : De algum material especial, não?

SPEAKER 3: : Bom, hum se possível, Aliás, se possível, não () Indispensavelmente anti-alérgico, esse material. (riso) Aham. E bem macio. Aliás, facultando também as condições acústicas da sala () Seria uma das condições. Ãh Quanto à decoração das paredes, ai eu eu gostaria que essa sala, de alguma forma, fosse também dessa forma trapezoidal. Então, o som poderia vir de várias direções, simultaneamente. Poderia vir do teto, eh da frente, de trás, dos lados, et cetera e E onde não houvesse falantes nas paredes, porque haveria necessidade de pelo menos uns trinta da melhor qualidade possível, alguns tweeteres em cima, e alguns grande alto-falantes para os graves embaixo. Ãh Mas, onde houvesse possibilidade, eu eu gostaria de que, além da janela, que também seria ãh à prova de som, e e que daria, portanto, para o bosque, a que eu já me referia, o bosque de Pinheiros, houvesse também nas laterais alguns dispositivos luminosos nos quais eu pudesse fazer o contrário de projeção. Eh Não propriamente projeção de slides, mas porque seria o contrário. () Eu não es não não estou conseguindo, por palavras, traduzir exatamente estou desejando mas enfim algum dispositivo qualquer que eu nem sei se existe pelo pelo qual se pudesse ir trocando as imagens dos quadros digamos assim que ficariam na nas laterais mas isso tudo controlado ou melhor programado eletronicamente de modo tal que essas imagens fossem perfeitamente compatíveis à música que se estivesse ouvindo. Uhum. (riso) Além disso, () imaginar um sistema em que a casa, além de da forma circular, fosse também... ou tivesse, um () em em muito pequena velocidade, a possibilidade de de ter um rodízio sobre si mesma, não? Portanto, fosse... giratória. Aham. A exemplos do dos vários restaurantes giratórios que se veem na Europa Central, não é?

SPEAKER 0: : Mas qual () seria a vantagem no seu caso, por exemplo?

SPEAKER 3: : A mudança das paisagens () Se bem que, depois de muito tempo, passariam a ser monótonas. (risos)

SPEAKER 0: : ###

SPEAKER 3: : Mas daí o fato de haver necessidade da dos dois painéis laterais grandes, naturalmente, a a permitir ### Sim. Com aquelas imagens que quebrariam a monotonia da paisagem.

SPEAKER 0: : Na sua casa, por exemplo, tem aí nós já temos assim o ambiente século ãh vinte e um et cetera. Certo, nada de velho, exatamente. () Mas vamos para frente. Quer dizer  Além dessa sala acústica com todas as suas com todas as su as suas aparelhagens a a eletrônicas, et cetera o que mais haveria na  pensando sempre no seu conforto, no seu bem-estar, assim, no seu centro de estética, ()

SPEAKER 3: : Se eu conseguisse essa sala, eu acho que já estaria plenamente realizado.

SPEAKER 0: : Não, não, mas a sua casa é grande, pode ser só assim, que nada. Não vamos aumentar a sua ()

SPEAKER 3: : Bom, evidentemente, na () haveria um mini heliporto, não? Uhum. Ãh. Heliporto... Já ne nessa época, já já não diria nem mesmo () eh que os heli que o helicóptero que me servisse fosse a jato, mas deveria ser atômico, qualquer coisa assim, que não fizesse muito ruído, porque o inconveniente dos helicópteros é aquele ruído, e que perturbaria um pouco (riso) () a audição de bar. (riso) () eh bom, quanto aos demais compartimentos... Quer dizer, () a sua comida seria feita nessa casa? Hum... Não sei, não. Eu tenho a impressão de que, para que tal acontecesse, seria... Bom, desde que o cheiro de cozinha não fosse perturbar os demais compartimentos da casa, vá lá. É, isso poderia ser estudado com uma série de exaustores silenciosos ou ou desse gênero de () 

SPEAKER 0: : Mas... E como seria essa por que a sua comida fosse feita lá.

SPEAKER 3: : Sim, eu () gostaria que ela fosse quase que autossuficiente, isto é, bastante automatizada, de maneira tal a permitir que eu mesmo pudesse eh confeccionar os pratos que desejasse, evidentemente que o verdadeiro cozinheiro teria de ser um computador.

SPEAKER 0: : ### (risos) Está resolvendo todos os nossos problemas. ###

SPEAKER 3: : () apertando-se o botão adequado, poder-se-ia ter um Chateaubriand () por exemplo, não?

SPEAKER 0: : Já viria pronto, sem nenhuma... () A programação não () não não não poderia prever uma preparação, não?

SPEAKER 3: : Bom, é... Sabe, eu tenho o receio de que, se for excessivamente automatizado, não haja possibilidade de alguma criatividade no caso. Uhum Mas como eu não gosto nem um pouco de arte culinária, (riso) então eu deixaria isso a cargo de minha mulher ou de quem quer que me fizesse companhia na casa. Eh Inclusive a própria empregada, se fosse o caso.

SPEAKER 0: : Computador poderia resolver também.

SPEAKER 3: : Acontece que o computador tem as suas limitações. É um pouco de calor humano, é necessário ()

SPEAKER 0: : ### ### E como é que faz?

SPEAKER 3: : usto, então. Mas aí é que está. A programação seria feita de acordo com as informações dos melhores cozinheiros internacionais. ()

SPEAKER 0: : ### ### (riso) Não poderia ser por menos. Escuta, e o () onde é que você dormiria?

SPEAKER 3: : Eu gostaria de... dormir, se possível, numa cama flutuante no espaço, desse gênero, assim, dessa das invenções do Pardal, e de modo tal que, além do conforto, eh não não houvesse possibilidade de desvio de espinha e outras coisas que tais, né? Aham eh Certo, seria, creio que, uma das boas soluções, essa cama flutuante. Agora, como é que ela flutuaria, isso é problema dos engenheiros. (risos) ()

SPEAKER 0: : Mas nesse quarto, por exemplo, o que que haveria nele como decoração? Decoração. É. Uhum. Chão, parede, et cetera

SPEAKER 3: : Pois não. O piso poderia ser de um material () borrachudo, assim. que fosse bastante silencioso, principalmente, e macio, e fácil de limpar. Porque a higiene na casa inteira seria uma condição básica, né? () e Isso principalmente porque eu sou alérgico. () Alérgico à poeira doméstica, () essas coisas assim. Então, eh como na minha casa, eu ainda não posso chegar a esse ideal, o jeito é sonhar com el

SPEAKER 0: : Nós estamos nessa esfera, ()

SPEAKER 3: : () mas () você, eh ao falar de decoração, sabe, que me faz associar essa ideia a lembranças pouco agradáveis para mim com relação a ao próprio apartamento onde eu moro atualmente. Porque eu fui vítima de uma decoradora não diga que me tirou um dinheirão e, na verdade, Não fez nada daquilo que eu realmente queria que tivesse sido feito.

SPEAKER 0: : Por exemplo?

SPEAKER 3: : Por exemplo, eu queria que os móveis da sala fossem laqueados de branco, e afinal de contas não são. São eh com base de jacarandá. Portanto, a sala ficou escura quando eu queria que fosse uhum reluzente. (riso) Aham eh Não vou dizer isso, mas pelo menos que fosse mais agradável, mais jovem, menos cansativo. E até uma arca ela conseguiu pôr lá. () Não gosto de velharia, mas minha mulher gostava. Aham Talvez por causa disso nos divorciamos. (risos)

SPEAKER 2: : ###

SPEAKER 0: : ### Mas aí no caso... O que você acharia como móvel ideal, além da ca Haveria o o lugar onde se guardassem as suas coisas, por exemplo? Como deveria ser?

SPEAKER 3: : Com certeza que no quarto só objetos eh de uso pessoal. Sim Bom evidentemente, gostaria de ter um banheiro completo, anexo ao quarto. E quando digo banheiro completo, já imagino assim uma espécie de mini-piscina. ###

SPEAKER 0: : ###

SPEAKER 3: : ssibilidade de água morna. Eh Alguma coisa à base de vidro. Ah, sim. Mas vidro resistente, é claro. Alguma coisa bem leve, bem moderna. Eh Poderia ser de umas cores assim também. Bem arrojadas. Agora, quanto a quadros para a casa toda? Eu tenho uma grande dificuldade, porque, por mais moderno que seja um quadro, não sei, eu sinto que ainda eh seria possível ser ma um pouquinho mais moderno. Falta ainda alguma coisa. Quando eu vejo um Picasso, por exemplo, ou um Dalí, eu acho aquele muito bonito, mas não para a minha casa. () Eu gosto de ver essas coisas em museu e não em... não. Acho que não me acostumaria com quadros no sentido de de pinturas, principalmente, por mais caras e sensacionais sejam ou como artísticas sejam consideradas pelos técnicos. Tenho a impressão de que ver todo dia a mesma obra de arte deve ser extremamente cansa

SPEAKER 0: : Será que não se descobre cada vez mais alguma coisinha ()

SPEAKER 3: : Os artistas que sim, () mas eu não tenho esse tipo de sensibilidade. Engraçado, por isso é que eu preciso de coisas que variem sempre. Daí o fato de falarem em em possibilidade de projetar em duas telas slides e mais slides. Inclusive slides artísticos poderiam (riso) poderiam ser  ### Nada assim muito parado. Móbiles, isto sim. Uhum Poderia ser colocado em alguns pontos estratégicos ()

SPEAKER 0: : E como é que você receberia, por exemplo, uma () uma visita? Onde? () você não vai levar lá para aquele para aquela sua sala () ###

SPEAKER 3: : Ah não () acho que vocês está () mal as coi () Eu exatamente me sentiria muito bem e muito orgulhoso de poder mostrar a ()

SPEAKER 0: : Não, depois. Agora, antes () bater um papo em algum lugar Não seja lá.

SPEAKER 3: : Bom, acho que seria mais ou menos um lugar como este () Uma sala com espelho em que () em que pudesse ser filmada a conversa () para depois tirar as minhas ilações com gravadores camuflados.

SPEAKER 0: : ### ### uma coisa dessa!

SPEAKER 3: : Claro, porque () útil isso.

SPEAKER 0: : Ah, não! De maneira nenhuma! A visita deve-se () Afinal, quem a gente recebe ou deixa entrar dentro de casa, () ser, sim, uma pessoa que a com quem a gente tenha prazer de 

SPEAKER 3: : () deduzindo que eu não sou lá muito bom eu fico

SPEAKER 0: : ### ### ### ###

SPEAKER 1: : ###

SPEAKER 3: : (riso) Que coisas? Eu fiz mal em em não ter eh pedido que essa entrevista fosse lá em casa, porque, afinal de contas, na prática eu poderia contestar essa essa impressão que você está tendo.

SPEAKER 0: : Não, mas diga lá, como é

SPEAKER 3: : Eu gosto muito de receber, estou brincando. () É claro que não nesse intuito de fiscalização, (riso) mas... para dar às pessoas que recebo a melhor das impressões e, principalmente, proporcionar-lhes o que em suas próprias casas, habitualmente, não tenham. Eh Quando eu recebo pessoas em casa, procuro realmente fazer isso, ou seja, eh caiu da moda, por exemplo, oferecer vinho do Porto. Eu gosto sempre de fazê-la.

SPEAKER 0: : Não sei se vai dar para notar eu.

SPEAKER 3: : Não sei, hoje é mais whisky. () Sempre que eu vou à casa de de algum colega, é whisky que me que me oferece. Eu gosto imensamente de whisky, mas eh já acho que es que está se tornando demasiadamente corriqueiro. E E quando se sai um pouco do usual, do habitual, sempre dá-se uma nota diferente. a recepção, digamos. E e quando eu falo em vinho do Porto, eu apenas cito um exemplo, que não talvez nem seja o ideal. Mas em matéria, por exemplo, de música, faço questão de ter ali em casa sempre algumas gravações em fita, que eu mesmo fiz, e que por isso são exclusivas. (risos) Gosto de fa de fazer montagens sonoras. Não diga. Faço algumas brincadeiras, de vez em quando, bastante interessante. Por exemplo, eu tenho uns duos, ou duetos, que que tive a pretensão de fazer. () com quem? ### () dizer Catherine Deneuve porque há pouco eu assisti ao filme () em que, com a voz de Christiane Legrand, se exibe o rosto admirável de Catherine Deneuve. Então, por isso que eu ia falar na na Catherine agora. Mas a Christiane Legrand, é o soprano principal dos do conjunto vocal francês, The Swingles Singers. E eu tive o prazer de conhecê-los pessoalmente em Florença. Já há muito, eu os os admirava, e () tornei-me, de certa forma, não vou dizer amigo, mas pelo menos grande conhecido deles. E então, como sempre gostei muito das gravações da Christiane Legrand, e tem um um gravador, que é um () trezentos e quarenta ele, eh que permite certos recursos... () É realmente notável. Então, através de de mixagens e e recursos de playback, multi-playback, Eu fiz duetos com a Cristiane Legrand, com a minha própria voz, () uma calamidade, não? Mas, é claro que aquilo não tem valor artístico nenhum, mas é uma curiosidade. Claro. Que as pessoas costumam apreciar. Aham aham  Ainda que... iludidas, pelo menos no início, porque depois é claro que eu esclareço a realidade. Mas, no início, chego a dizer que, a amizade com a Cristiane Legrand, foi tanto que nós gravamos um dueto. (risos) Porque o resultado seria aquele mesmo, se tal fosse a realidade.

SPEAKER 0: : Você tem muita experiência, sim, em em utilizar o som. É um hobby na na ()

SPEAKER 3: : () pode dizer que eu tenha alguma experiência, não vou dizer muita () muito menos tem... Essa experiência é é muito menor do que aquela que eu realmente gostaria de ter. Tem? É, eu sempre achei que eu sou um técnico de gravação frustrado. A minha profissão não devia ser essa. ()

SPEAKER 1: : ### ###

SPEAKER 0: : ### Escuta, mas me diga uma coisa assim, no seu caso, já que () se nota uma preferência assim musical grande, Há algum instrumento que você toca ou que gostaria de tocar?

SPEAKER 3: : Sabe, o único instrumento que eu realmente gostaria imensamente de tocar é de é de aprendizagem tão difícil, tão custosa, que, enfim, não está no campo, para mim, do acessível. Seria o órgão. Eu adoro o órgão. Uhum. E realmente tenho a impressão que um organista participa de uma dimensão que () mortais não têm possibilidade de sequer conhecer. Quando eu ouço um concerto de órgão, eu procuro como que identificar né aquilo que estaria o organista sentindo nesse momento. Uhum. Deve ser algo sensacional () Mas, pelo menos com a minha idade, para começar a aprender órgão, antes de mais nada eu teria que passar por pelo menos dez ou doze anos de piano, e piano já não é um instrumento que me agrade. A técnica pianística, evidentemente, é indispensável para para uma boa execução em órgão. É fundamental, é a base.

SPEAKER 0: : () Ah, é pré-requisito, é?

SPEAKER 3: : É um pré-re requisito do órgão, sem dúvida. Eu gostei () olha sabe, eu eu não conseguiria aprender a tocar nenhum instrumento. Eu gostaria de ter nasci de ter nascido sabendo executar () Porque a aprendizagem é extremamente desagradável, eu acho.

SPEAKER 0: : Sempre na naquela base () Agora, você () eh dentro da música, você falou justamente que há certos conceitos que atraem mais () Você, além do órgão, você tem predileção, assim, conforme o seu estado de espírito, () por um determinado instrumento?

SPEAKER 3: : Por determinado instrumento? É

SPEAKER 0: : Bom... Que marca um determinado concerto, (tosse) um determinado tipo de música, et cetera.

SPEAKER 3: : Bom, conforme o estado de espírito, como você bem disse, não há há dias em que eu eu me sento na sala apenas para ouvir bateria, por exemplo. Aham Eu gosto de ouvir barulho, né? E outras vezes, pelo contrário, Prefiro ouvir eh Wanda Landowska, por exemplo, executando o Cravo Bem Temperado, volume 1. Uhum. Eh Portanto, em Cravo. Completamente diferente a sensação. Tudo depende realmente do estado de espí Até batuque torna-se agradável.

SPEAKER 0: : () Isto que eu ia perguntar se no gênero popular você não gos não gosta, de vez em quando, assim... É, de vez em quando eu gosto, () não habitualmente. Não, não? Assim, no gênero popular do no Brasil, qual seria, assim, um instrumento que você acha, assim, mais adequado ao tipo de música, ao tipo da sua sensibilidade, por exemplo?

SPEAKER 3: : Um violão bem tocado, muito bem tocado, entretanto, precisa ser realmente excepcionalmente bem tocado. Aliás, eu acabo de usar um um advérbio que habitualmente não uso. Eu costumo dizer () Mas agora parece que o pesinho estava fazendo falta. Ah, que bom () ### Porque é é uma contradição () A gente não diz excepção, diz exceção. Portanto, o adjetivo correspondente deveria ser excecional. E o advérbio, evidentemente, excecionalmente.

SPEAKER 0: : Está condicionado por Portugal ()

SPEAKER 3: : Acho que, acho que não. Porque em Portugal a gente nota o () Eles dizem excecionalmen ### Na verdade, (riso) não não é a pronúncia nordestina nossa, não. () isso me fez lembrar que o Adriano Moreira, certa vez, cá no Brasil, deu uma entrevista à Manchete e, no final, ele dizia, ou queria dizer, (tosse) que os estudos de ciência política pretendiam levar o homem a uma nova concepção do mundo e da vida. Acontece que na entrevista saiu uma nova conceção do mundo e da vida, (risos) por causa do () (risos) ###

SPEAKER 0: : (riso) Ah, que engraçado. ### Afinal de contas, todo todo sentido () coisa, né? () Significado é () Uma conotação até esquisitíssima. (riso) () Mas me diga uma coisa assim, no quando há no Brasil a possibilidade de ouvir música fora de casa, você tem alguma predileção?

SPEAKER 3: : Ah, eu ouvi muita música brasileira en enquanto estive no exterior. mente é outra sensação. É? E daí vem aquela dose de saudade para tornar ainda mais bonita a músi Eu gostava muito de mostrar aos colegas austríacos, por exemplo, gravações do Wilson Simonal, da Elis Regina, () ãh () Aqui, por exemplo, eu já não ouço com o mesmo prazer. Sim, sim.

SPEAKER 0: : Agora, assim, por exemplo, para você escolher um programa musical, você costuma ir a concerto?

SPEAKER 3: : Sempre que possível, sim. Mas, eh veja bem, não qualquer concerto.

SPEAKER 0: : Por exemplo, um que você ()

SPEAKER 3: : Há um que eu iria sem hesitar. Se aparecesse aqui, orquestra, vamos supor, de () ou de () Aliás, não é Otto, não, perdão. Esqueço-me agora qual é o primeiro nome do Karajan. Ou então, Leonard Bernstein. Enfim, eu acho que, fosse qual fosse o programa, valeria a pena.

SPEAKER 0: : Sim, aí você iria pelo pelo () regente da da da

SPEAKER 3: : Pelo regente e pela orquestra também. É claro, que se fosse a Sinfônica Municipal, por exemplo. Ainda que regida por um Bernstein, eu acho que não valeria muito a pena.

SPEAKER 0: : E assim, dentro da da da da da de um concerto, você tem, vamos dizer, maior prazer em determinadas partes, com determinados instrumentos, () que calham mais, assim, na sua sensibilidade? Como é que é a coisa? 

SPEAKER 3: : É, exatamente, assim. Eh Um dos concertos mais notáveis que eu tive o prazer de ouvir foi numa catedral em Paris. Como se chamava mesmo? Não consigo lembrar () nome. Aliás, numa numa catedral, numa numa igreja catedralesca, ou seja, uma uma grande igreja que, por incrível que pareça, se eu fizer um grande esforço de memória, eu seria capaz de dizer como se chama, mas não me ocorre agora. Esse concerto tinha como instrumento principal dois órgãos conjugados. vozes, um coral de de quinhentas vozes. E E uma enormidade de outros instrumentos, tanto de percussão como de cordas. Enfim, foi realmente algo de grandioso, de magnífico. Uhum Eu não seria capaz de dizer a vocês () nome das peças, porque era era música sacra moderna. Composição, aliás, do maestro, que era um padre. E eu assisti a esse concerto por mera casualidade. () Estava passando ali por perto, ouvi do lado de dentro da da igreja um som esplêndido, espetacular, e resolvi entrar. A igreja estava repleta, foi difícil encontrar um bom lugar, mas compensou, valeu a pena. Realmente, eu apenas lamento não ter tido a possibilidade de gravar aqui

SPEAKER 0: : E você tem tido a oportunidade de gravar, assim, ao vivo não?

SPEAKER 3: : Raramente, mas sim. () Já tive ocasião de gravar concertos de órgão, por exemplo. Inclusive aqui. ### É. Houve um concerto de órgão na Catedral, isto em mil novecentos e cinquenta e seis por aí, eh com um organista que eu depois viria a conhecer em Áustria. () Karl Richter, o nome dele. Uhum. Eh Depois houve uma série de outros concertos também no Mosteiro de São Bento. Esses eu não gravei, mas estive lá. E em Viena, todas as quartas-feiras, há concerto de órgão na Stephansdom, ou seja, na Catedral de () Estevão. E eu não perdi nenhum. (riso) () Lá valia realmente a pena. Eh Agora, quanto a outros instrumentos, parece que você, ao fazer as suas perguntas, não vou dizer que me esteja forçando a referir-me a outros instrumentos, mas, de certa forma, me abre campo para isso, digamos. Sabe, seria difícil, porque o que realmente me envolve é o órgão. Agora, os demais instrumentos, ao que me parece, servem para acompanhar. Agora, é claro que a a maioria dos concertos prescinde do órgão. () Foram compostos para outros instrumentos que não, o órgão. E há até concertos para piano, que não é, como já disse, um instrumento que me agrade muito, que eu considero notável. O conceito de () por exemplo, para piano e orquestra é é sensacional. Eh Tudo depende, portanto, dos executores e da própria qualidade da composição.