SPEAKER 1: () vinte e quatro de maio de mil novecentos e setenta e dois, bom então o senhor, afinal de contas, nasceu num lugar que é hoje o centro da cidade. Mas como era esse, esse lugar na sua infância? () o senhor podia contar para () SPEAKER 3: Pois não. Em frente havia um terreno vago, onde depois se construiu o teatro municipal () Havia () uma ladeirinha que saía da Rua Barão de Itapetininga, onde hoje tem a Praça Ramos de Azevedo, e descia até a Rua Formosa () A ladeira do Hotel da Esplanada, que chama-se ladeira do Hotel Esplanada, que é onde hoje tem a Caixa Econômica Estadual, não existia aquela ladeira. É... Era tudo fechado () Havia uma série de casas que vinham des> da chácara, onde tem o Vale do Anhangabaú, tinha uma série de casas que eram do Barão de Tatuí. Viam desde a Rua Formosa até o Piques. Era uma série de casas, umas emendadas nas > SPEAKER 1: > outras. Aquele pedaço ali da esplanada também era com casa? SPEAKER 3: Aquela ladeira Do, do lado tinha o terreno vazio, murado. Agora, do... Você era do lado ímpar. Eu era do lado lado ímpar Agora, essa casa, essa casa, a casa onde eu nasci, ficou em frente onde depois se abriu a ladeirinha do Esplanada, do hotel Esplanada. E > E, quando inauguraram o Teatro Municipal, derrubaram todas as casas da Rua Formosa e se fez ali o Vale do Anhangabaú, em mil > SPEAKER 1: > novecentos e onze. O senhor sabe de quem foi o projeto ou não SPEAKER 3: O projeto era de um francês. Não me lembro agora, eu já estou muito velho, então não sei mais o nome dele. SPEAKER 1: (risos) e as batalhas () SPEAKER 3: Mas, bom, havia o viaduto do Chá, que fui eu mesmo, depois que me engenhei na prefeitura, foi derrubado no meu tempo. Ah, já havia um antes? Havia um antes deste concreto. Havia um que foi... que foi feito, que foi inaugurado em mil oitocentos > e oitenta e oito. Eu tenho bem certeza disso, porque no dia em que eu tirei a placa da inauguração do viaduto, desse novo viaduto, eu tirei a placa do velho, porque nós derrubamos o viaduto do velho. No dia em que eu tirei a placa do viaduto do velho, fazia exatamente cinquenta anos. Em mil novecentos e trinta e oito, eu tirei a placa, fazia cinquenta anos que a placa tinha sido colocada. SPEAKER 1: E esse viaduto como era? SPEAKER 3: Era um viaduto de ferro estreito, lá tinha... E parecia com o do Rio de Santo Efigênio ou não? Não, era bem inferior. Não era um arco, era uma série de vigas retas. E era mais alto, porque o Vale do Anhangabu era mais fundo, ele foi aterrado. Ele foi aterrado uns dois metros, o viaduto era mais alto e era um viadutinho estreito. Agora, ele era, havia uma festa no dia de São Pedro, naquele tempo, em que o pessoal da loja do Japão soltava um balão imenso. Então, eles penduravam uma nota de quinhentos mil réis, que naquele tempo era um dinheirão, e saía aquela molecada toda para ir pegar o balão. O balão caía. Ia cair para dentro da Antártica, do Parque Antártico, e saía aquela porção de gente atrás do balão. Às vezes o balão () Passava a noite sem cair o balão. SPEAKER 1: Essa tradição da molecada correr atrás de balão, será que vem disso ou não? SPEAKER 3: Ah, não sei, mas desde pequeno, porque () quando eu era menino, nós fazíamos em casa mais de dois mil balões para soltar em junho, só na minha casa. Porque meu pai, que chamava-se Pedro, nasceu no dia de São Pedro. Então tinha uma grande festa em minha casa. Essas casas da rua formosa, o terreno caía para o fundo, para o vale. Então, no fundo, tinha um pé direito muito alto. Tinha um porão e, em cima, era a casa. Então, nós soltávamos também um balão. E... Soltava-se à noite esse balão em minha casa. Era um balão inteiramente preto. E onde nós fazíamos umas... Cortava-se umas rodelas de uma porção de tamanhos. Isso... As rodelas... Tirava o papel preto e punha papel colorido. Papel vermelho, papel verde. E depois punha-se uma mecha especial. de espermacete, coisa que não desse fumaça. Quando se soltava o balão, aquilo parecia, era uma maravilha O viaduto ficava cheio de gente para ver a festa que tinha no quintal da minha casa, que era pertinho do viaduto. Em cima do viaduto, a gente chegava assim. SPEAKER 1: E depois das transformações, quais outras transformações houve ali naquele setor? SPEAKER 3: Quando derrubaram a nossa casa, havia também ali no fundo, () no lugar onde hoje tem a passagem da Avenida São João, a Rua de São João também era uma () ruazinha estreita. Havia ali um teatro, chama-se Teatro Politeama, que era um teatro feito de zinco e de madeira. E era onde havia apresentações de companhias importantes, companhias de operetta, depois transformou-se em café, com certeza. Esse, esse teatro queimou-se, queimou em mil novecentos e treze, me parece, antes da Primeira Guerra. Quando houve a desaprogressão da prefeitura, para fazer o vale do Anhangabaú, aquilo era uma chácara, passava um córrego em aberto pelo meio, e tinha uma plantação de agrião, tinha pés de goiaba, e a gente ia lá comprar na, na chácara. A chácara vinha desde o Piques até perto da Avenida São João. O que que o senhor chama piques aí? () O piques é a Praça da Bandeira. Ah Aquilo era um larguinho. Não diga A senhora pode ver, eu acho que numa dessas listas telefônicas aí tem a fotografia do Largo do piques, como eu conheci ainda. Tinha a Ladeira São Francisco, tinha as outras ladeiras, estavam ali, ali era um, era um fundo de varinha, ali estava barrado pela chácara. E depois tinha essa chácara ia até o fundo das casas que davam frente para a Rua São João. Então, () na Rua de São João, tinha um cinema, que era o Biju () Agora, isso tudo foi derrubado para passar o parque Anhangabaú, para canalizarem o córrego. E fizeram, mas desapropriaram só trinta ou quarenta metros de largura e deixaram uma faixa onde foi construída a Delegacia Fiscal, que fazia, era junto com o Correio, o Correio que existe até hoje, tinha também a Delegacia Fiscal na frente. SPEAKER 1: Já existia o Correio ali () SPEAKER 3: Não, o Correio, o Correio ali, onde tinha O Correio ali era de um mercadinho de São João, era um mercadinho feito de chapas de ferro muito fortes. Isso não interessa. Leigo, mas é interessante, A fundação desse mercadinho, quando se fez a passagem da Avenida São João, as escavações, eu era também engenheiro, foi um tempo de grande atividade na prefeitura, é, eu desmanchei as fundações do mercado. E... E as fundações do mercado eram uma, era uma coisa pré-histórica, não se tem outro nome. Eles não haviam concreto armado naquele tempo, então eles cravavam em estacas de madeira E a madeira só dura... Ela só, ela tem duração indefinida desde que ela seja mergulhada na água. Lá de baixo, depois de fazer a escavação toda, eles erguiam uma pirâmide de pedra. Em cima das estacas, eles primeiro faziam um gredeado de madeira. Madeira pesada. Em cima disso, punham um monte de pedras. Em cima disso, então, faziam uma camadazinha de cimento e puseram os pilares de ferro () Esta fundação, que parecia uma, uma série de pirâmides, era um, era um mercado com... era um barracãozinho. Mas tinha umas fundações que dava... que daria para aguentar um, um, um arranha-céu lá em cima. SPEAKER 1: Isso que eu ia perguntar para o senhor () SPEAKER 3: Ah, cada uma, cada uma dessas, eu ia passar a vala, encontrava a fundação, era um trabalho dos infernos. Era um trabalho muito grande. SPEAKER 1: E essa técnica foi adotada, assim, no mesmo tempo ou não? O senhor tem notícias de outras construções? SPEAKER 3: Bom, a fundação desse viaduto, do viaduto do Chá, também é uma coisa, foi feito em mil oitocentos e tanto também, mas também era sobrestacas de madeira, o viaduto de ferro. E quando nós tiramos madeira, as madeiras, era madeira mais, mais ordinária que podia haver. Nós descobrimos até estacas, uma madeira chamada murici, que é mais mole do que pinho. Se a senhora crava a estaca, SPEAKER 1: E ali nessa rua, nessa rua São João, devia ser o centro, assim, vamos dizer, da vida de São Paulo, na época? SPEAKER 3: Não. Não, não. O centro () Ali já era, já era um pouquinho afastado. O centro era () SPEAKER 1: () Era o triângulo. Mas, assim, o centro, vamos dizer, social da cidade, assim, o que que havia? Assim, como divertimento? SPEAKER 3: Eu assisti o primeiro cinema. Que era... É, isso é interessante. Esse é o primeiro cinema. Aham O primeiro cinema que eu assisti foi na Rua de São Bento. Aham Eu nem me lembro mais o nome dele. Fui assistir uma fita, aquilo era uma coisa extraordinária. Era uma sessão atrás da outra, eram uns íneos, uns homens correndo e tal. A gente ia lá para ver. Depois, inauguraram um na Rua quinze de Novembro. E depois é que fizeram o Biju. Aí já foi o Cerradouro, que estava chegando aqui em São Paulo. SPEAKER 1: Aí mais como teatro? SPEAKER 3: Não, não, não. Aí como cinema () Isso tudo foi, isso deve ter sido () SPEAKER 1: E, assim, e o comércio > da cidade, a gente já falou desse mercadinho () Era só ali que se abastecia ou havia outro centro de abastecimento? () SPEAKER 3: Ali era o fim da cidade, porque depois tinha a Avenida São João, Largo do País, no Praça da República praticamente não existia () E, a, a, Higienópolis, tinham feito o bonde de Higienópolis, a gente tinha a praça de bonde de Higienópolis, ele subia, ele subia a Rua Major Sertório, tudo sem calçamento. Subia a Rua Itambé, virava a Rua Maranhão, a senhora conhece isso? Descia ao Rio de Janeiro, descia por Avenida Higienópólis e descia... Isso era uma volta imensa () E descia, uh, de novo a, a Major Sertório () Agora, não havia quase casa. Havia casa do Edgar de Souza na esquina da rua () do Rio de Janeiro com a Rua Maranhão () O resto era, era tudo plantado, era... Não era plantado, era mamona. Eram terrenos com mamona. SPEAKER 1: Mas assim, o abastecimento da cidade, () onde as pessoas iam > procurar. O senhor falou que se comprava agrião ali naquela chácara, se comprava verdura () Onde se comprava mais () SPEAKER 3: Era no mercado, () no mercadinho lá de São João () Mas () havia fornecedores. Tinha fornecedor de tudo na porta da casa da gente. Vinha tudo com carroça, tinha leiteiro na porta () O leiteiro, o leiteiro trazia a vaca  (risos) e tirava o leite da vaca (risos) Ele tirava o leite para gente ver que a vaca estava boa. SPEAKER 1: () (risos) até () rejeitar o leite () (risos) (risos) Isso é ótimo. é () (risos) é a domicílio (risos) tinha gente que não pagava, então o homem dava de presente a barba, não, isso, isso é outra SPEAKER 3: conhecida no> Mas eu não posso dizer aqui (risos) SPEAKER 1: (risada) () se a senhora quiser desligar eu conto (risos) (risos) () e o resto por exemplo assim uh () carro por exemplo como é que você fazia () SPEAKER 3: Não, não, já havia () () Já havia açougue Havia um matadouro, já havia o matadouro de Vila Clementino. SPEAKER 1: Ficava longíssimo () SPEAKER 3: Ah, era no fim do mundo. Vila Clementino era uma viagem. SPEAKER 1: Como é que você fazia para ir lá? SPEAKER 3: Olha, eu não sei lhe dizer. SPEAKER 1: Tinha bonde também, como tinha ali, ou esse bonde era pioneiro, esse da () de Higienópolis, não () eu não sei () SPEAKER 3: Não, eu não sei lhe garantir, porque Eu fui conhecer Vila Clementino já grandão. A gente ia () no matadouro e tinha uma porção de gente que achava que beber sangue fazia bem. Então, para fortificar () matava o boi com uma lançada () Isso eu assistia ainda. Davam uma lançada no pescoço do boi e depois matavam, acabavam de matar o boi. E > E tinha lá um, um pessoal que pegava o copo de sangue do boi quente () bebia Uma coisa horrorosa. aquilo devia fazer um mal danado beber sangue assim () sangue do boi SPEAKER 1: () (risos) se houve alguma influência genética aí (tosse) e assim a carne era feita lá. Agora () e assim como é que a cidade foi se transformando nas grandes, nas grandes vias afinal de contas Qual a primeira delas que apareceu? SPEAKER 3: Primeiro foi a... Quando eu estou falando para a senhora, já havia a rua Barão de Itapetininga () E acabava na Praça da República. Dali para diante era bem mato, mas já, já havia a Vila Buarque. Começaram a aparecer as vilas. A Vila Buarque, depois apareceu o Higienópolis. E a cidade foi se desenvolvendo, um bonde SPEAKER 1: Qual era de monumento assim, naquela época já existia algum que a gente hoje ainda possa constatar a presença ou não SPEAKER 3: () Bom, a independência foi feita em vinte e dois, o monumento lá do Ipiranga. () Certo. Tinha o Sérgio Bonifácio, em frente à faculdade () Não me lembro de nenhum outro monumento da fundação da cidade, esse já é, já é bem mais recente. Não me lembro de nenhum outro. Certo Mas, junto com a Vila, a vila Boarque, desenvolveu-se também o Campos Elíseos, que foi a zona de luxo durante muitos anos. E Isto, depois dos Campos Elíseos, passou para Higienópolis. Depois vieram para a Avenida Paulista. Mas isso tudo foi crescendo devagar, não foi tão depressa como agora. Até novecentos e vinte um, antes de eu me casar, vinte, vinte e um, era proibido viajar no estribo do bonde. Só podia viajar sentado no bonde. Era proibido, não havia pingente. Uhum SPEAKER 1: E aí, no caso, por exemplo, de todos, o senhor tem uma experiência muito grande de administrativa. De todas as obras desses prefeitos que o senhor conheceu, qual delas o senhor acha assim fundamental para o desenvolvimento da cidade? SPEAKER 3: Bom, o homem que projetou a cidade e que tinha uma visão mais adiantada era o Prestes Maia. Mas eu acho que o melhor prefeito que nós tivemos foi o Flávio Prado. SPEAKER 1: assim, no sentido de obra mesmo? Ele SPEAKER 3: Ele abriu a nove de julho. É o seguinte, a cidade sempre foi muito pobre. Eu fui engenheiro da prefeitura desde mil novecentos e vinte e quatro () A cidade não recebia imposto nenhum. Não havia taxa nenhuma. Nós não tínhamos, eh... Tinha a taxa de calçamento, conservação de calçamento, quer dizer, era preciso que a rua fosse calçada para receber. e a taxa de limpeza pública, e uns () () quer dizer, é preciso que a () () fosse calçada para receber e a taxa de limpeza pública e uns impostos de () passou para a prefeitura, porque o imposto presidial era do governo do estado, eh, porque o governo do estado é que dava iluminação e fazia as galerias de águas pluviais. Então, por causa disso, o imposto presidial () era do governo do estado. Quando passou para a prefeitura, houve uma folga de dinheiro e então o Fábio Prado, que era um grande administrador, ele teve possibilidade de fazer muita coisa, porque foi () a primeira hora em que apareceu Dinheiro com folga. Ele fez a nove de julho, ele fez o estádio no, do Pacaembu, foi ele () Foi ele quem fez a biblioteca municipal () Fez uma série de obras muito grande. Fez o viaduto do Chá. O atual? SPEAKER 0: O senhor falou assim no estádio né do Pacaembu. Pacaembu. Qual foi a primeira assim praça de esporte sem ser ou se foi de futebol ou qualquer outro, que apareceu em São Paulo? () está lembrado como é que aconteceu SPEAKER 3: Havia o velódromo. O velódromo, o antigo velódromo, que tinha sido feito para corrida de bicicleta e que foi, foi transformado em campo de futebol. Era ali na Consolação. O velódromo era na... Como é que se chama essa rua hoje? Ali tem uma rua. Nestor Pestana. Uhum Ali era o lugar onde havia os jogos de futebol. Depois apareceu no Parque Antártica. O Parque Antártica era um parque... A Antártica era onde hoje é o () Aquilo ali era, era a fábrica de cerveja da Antártica. Funcionava ali. A fábrica de cerveja era ali. E, na frente, tinha o Parque Antártico, que era onde havia divertimentos públicos. O Parque Antártico promovia, então, a vinda de... promovia coisas para vender cerveja. A cidade era tão pequena que, para vender cerveja, era preciso, então, eles mandarem vir os artistas. Eu fui, muitas vezes, ao Parque Antártica para ver... para vender cerveja. E quem também se associava a isso era a light, para fazer com que as pessoas andassem de bonde, porque naquele tempo o bonde custava duzentos réis E o bonde não dava lucro a não ser que fossem bastante gente no bonde. Então eles punham os bondes para Antártica e aquilo ia cheio de gente para Antártica para, para ter movimento no bonde. Nos domingos não havia quem andasse de bonde, a cidade era pequena mesmo, né? Então, eles mandavam vir. Tinha um homem, quando eu era pequeno, eu me lembro ainda de um homem que subia numa torre de uns vinte metros de altura e tinha embaixo uma... não era uma piscina, era um caixão de uns quatro metros por quatro por dois de profundidade e o homem se jogava lá de cima, dentro desse () Então, a gente via de longe, vendo ele lá em cima, ele ficava com as bandeirinhas sacudindo a espera que os bondes chegassem para vir ele pular (risos) A entrada era de graça. Ah, a entrada era de graça () Era só pagar a passagem de bonde SPEAKER 1: (risos) () E, no caso do (), se as pessoas andassem de bônus, só andavam a pé ou tinham os seus, os seus próprios meios () SPEAKER 3: Não tinha meio nenhum () Era carro, não tinha automóvel. SPEAKER 1: () como eram esses carros? () SPEAKER 3: Havia carro de praça. Tinha tíbure e tinha o carro de dois cavalos. SPEAKER 1: Qual era a diferença entre um e o outro? () SPEAKER 3: () é um burro, é um cavalo só e são duas rodas O carro tem quatro rodas e dois cavalos. Ah... E o cocheiro ia separado na frente. A gente ia atrás. SPEAKER 1: Isso é uma coroa de quatro rodas? SPEAKER 3: () de quatro rodas No tíbure, a gente vinha sentado ao lado do, do cocheiro que ia inhando SPEAKER 1: E, assim, no caso da, da cidade, () o que eu queria perguntar mais ao senhor, era além () de transporte e de meios de divertimentos, as grandes, () vamos dizer, as grandes aberturas de circulação, quando () quando se começou a pensar nisso? SPEAKER 3: () quando a cidade tomou um certo... Isso foi no, isso já foi... () me parece que foi o Pires do Rio, o prefeito Pires do Rio, que encomendou ao Prestes Maia, como engenheiro, um estudo. Então, nessa ocasião, é que foi feito esse projeto de anos e anos, que foi () da urbanização. Essa avenida circular, essas coisas todas foram estudadas pelo Prestes Maia, não como prefeito, mas como engenheiro para o Pires do Rio. Sim Havia o projeto das avenidas. SPEAKER 1: () uma censura, não sei ()pode ser totalmente injusta, ao Prestes Maia, que ele não previa o automóvel. O senhor acha que é procedente isso não SPEAKER 3: Não Eu não quero falar mal do Prestes Maia (risada) É um pouco perigoso falar de pessoas mortas. Claro (risos) Ele era um pouco centralizador. Ah, sim Ele não gostava () Durante a administração dele, eu fui trabalhar em Volta Redonda. SPEAKER 1: Você tem essa experiência de Volta Redonda também na construção da () SPEAKER 2: Na construção da usina, sim, senhora. Ah, é? SPEAKER 3: Fui eu que abri lá, na cidade, e construí os primeiros prédios. Fiz alguma coisa lá. SPEAKER 1: E a transformação da cidade, assim, no sentido industrial, quando é que o senhor sentiu isso? Porque o senhor disse que os impostos eram poucos, né? Afinal de contas SPEAKER 3: na administração do Faria Lima, porque nós vivíamos sempre em dívida, em dívida, sempre atrasados os pagamentos e não era possível fazer, avenida vinte três de maio, por exemplo, uma avenida que está projetada há anos e anos e anos, até que o Faria Lima foi possível para ele fazer tudo isso e essas desabrogações, porque agora recebem, eu não sei bem qual é o imposto que o governo federal paga para restituir os municípios, as capitais não recebiam, ah sim, e então ele conseguiu que isto fosse pago para a Prefeitura de São Paulo. Mas, e o, e o, e o Prestes mais insistia muito no pagamento desse imposto para a Prefeitura. Aí a Prefeitura passou a ter bastante dinheiro, então a cidade passou a ter bastantes melhoramentos. SPEAKER 1: Mas no caso aí, o senhor atribui à indústria também um papel nesse progresso ou não () SPEAKER 3: Ah, naturalmente. SPEAKER 1: Na própria arrecadação, a indústria? SPEAKER 3: Na arrecadação, () tudo isso aumentou muito () SPEAKER 1: O senhor sentiu, assim, vamos dizer, () São Paulo como cidade industrial a partir de que época? SPEAKER 3: Ou é difícil prever () Era tudo muito tacanho. Quando eu entrei na prefeitura, era tão, era tudo tão miúdo. Depois do Fábio Prado, houve um período de, de progresso, mas depois ficou de novo imperado. Até agora, depois () dessa última guerra, que houve um desenvolvimento enorme da cidade () SPEAKER 1: As primeiras indústrias que apareceram () eram de quê? () SPEAKER 3: A indústria de ferro só foi possível depois () que, que se fez volta redonda. SPEAKER 1: E essas indústrias eram de grande porte não () SPEAKER 3: Já eram, já, já eram, eram indústrias grandes. Tinha o Cresp, ah sim, tinha o Matarazzo, tinham indústrias grandes. O tecido eram indústrias grandes. E nesse caso assim () Agora a indústria, a indústria siderúrgica, o que desenvolveu aqui, a indústria mecânica, só desenvolveu-se mesmo, de fato, depois de volta redonda, porque até aí Tinha que se importar o aço para tudo. Era tudo dependia da importação. Então, não se desenvolvia. Havia umas oficinas aí, mas todas elas dependiam de importação. Qualquer viga de ferro custava um dinheiro () Para senhora ver como a influência que tinha as coisas, as coisas de fora aqui. Quando se derrubou o viaduto do Chá. Isto foi em trinta e oito que eu derrubei. Nós fizemos uma concorrência para vender o ferro velho. Mas havia umas vigas que eram muito aproveitáveis para pontilhões. E como nós não tínhamos aqui a fabricação dessas vigas, então nós separamos essas vigas para reconstruir pontilhões que eram de madeira para substituir isso por pontilhões de ferro. Eh... E o homem que arrematou chamava-se senhor Mosca. Este () Este homem arrematou isto em trinta e, trinta e sete, que foi a época em que nós começamos a cuidar da demolição E este homem, ele pretendia, evidentemente, vender isto o ferro velho todo que ia sair daquela ferraria toda, daquela ponte. E> Então, a torcida dele para que estourasse a guerra, para o ferro subir, porque aí paralisava a importação () Ah, foi uma coisa do outro. Mas essa guerra não arrebenta, essa guerra não arrebenta. E () passou trinta e oito, ele () alugou um terreno nosso, ele ficou milionário depois disso () () () ele segurou, ele alugou um terreno da própria prefeitura e deixou o viaduto largado lá, para depois vender. Vendeu com um grande lucro. SPEAKER 1: () (risada) e a sua experiência () ao próprio abastecimento, à própria vida. O senhor acha que isso se refletiu muito naquela época no Brasil, () na primeira ou na segunda, ou não? SPEAKER 3: Bom, nunca se passou fome. Não. Nunca houve problemas? Não Não, havia. Havia umas fideiras para o pão, porque não havia trigo, mas sempre havia um jeito, aí se dava um jeito. SPEAKER 1: Mas () na Primeira Guerra também houve esse problema ou não? SPEAKER 3: Não houve tanto, porque a cidade era muito menor, os problemas eram muito menores. SPEAKER 1: E no caso, assim, quando houve realmente uma fluxo maior de imigrantes e tudo, o senhor acha que isso transformou a fisionomia da cidade? SPEAKER 3: Ah, completamente. Eu vou lhe contar. Quando eu atravessava a pé o viaduto do chá com o meu pai, ele era um político muito conhecido aqui em São Paulo. a gente parava vinte, trinta vezes com os conhecidos dele. Era muito cacete andar com ele, porque ele ia cumprimentando um, cumprimentando outro, e a gente levava um tempo para atravessar o viaduto. Bom, depois o tempo foi passando, derrubei o viaduto, () e eu comecei a passar no viaduto, mas sempre eu encontrava um conhecido. Atualmente, eu não é, eu atravesso o viaduto, vou até o Largo da Sé, dou a volta no outro diâmetro, e não encontro um conhecido, nem para cumprimentar como vai. Quer dizer, a gente sumiu no meio dessa cidade. Não há mais conhecidos. SPEAKER 1: E o senhor acha que a cidade realmente se tornou muito mais difícil assim do que... () Bom, antigamente era uma cidade pequena, era gostoso de morar aqui. SPEAKER 3: Mas agora a gente tem que ficar bem encolhido. SPEAKER 1: O senhor acha que () o que se diz de São Paulo, de cidade que massacra, etc., o senhor acha que isso corresponde a SPEAKER 3: Bom, pelo menos os que conheceram o São Paulo antigo. Mas que não, no massacre é demais. Mas (risos) a gente se sente aqui tão estranho () eu, eu fui a Buenos Aires e fui em outras cidades lá nos Estados Unidos () A gente se sente aqui. Só tem uma coisa, que a gente ouve falar português () Porque é inteiramente estranho. A gente passa pela rua, não conhece ninguém, ninguém conhece ninguém. Todos passam uns pelos outros. SPEAKER 1: O senhor não acha que até certo ponto há uma vantagem nisso, não? SPEAKER 3: Vantagem? SPEAKER 1: (risos) De ser anônimo. (risos) SPEAKER 3: () (risos) Não quero dizer o que eu estou querendo dizer (gargalhada) A vantagem do... do ser anônimo que a gente vê antigamente. Era impossível a gente ver um moço beijar uma moça na rua. Hoje, a gente vê você dentro do automóvel beijando, beijando, não tem a menor significação, porque ele não conhece, ninguém sabe quem é ele. Ele pode fazer o que ele quiser. SPEAKER 1: Nesse caso, uh quando a cidade era menor, justamente, quer dizer, é lógico, com a evolução, os costumes muito mais uh restritos A coisa era muito mais assintosa, né? () SPEAKER 3: () não se limitou ninguém a fazer uma coisa dessas. Hoje não. Se o neto da gente (risos), se o neto da gente pega um barbudo e dá um beijo aqui na frente da minha casa, bom, que paciência isso perdeu o significado. No meu tempo, não. Isso era um (risada) caso de briga, pontapé (risada) Hoje, não. SPEAKER 1: Agora, os amigos, assim, para se reunirem na época do senhor, além da casa, tinha um outro lugar onde se podia o senhor podia saber que o senhor encontraria um grupo de amigos ou não? Não. SPEAKER 3: () Só os clubes de, de regatas, onde a gente ia nadar, onde a gente ia remar. Então, eu encontrava alguns amigos. Havia os cinemas onde a gente se encontrava. SPEAKER 1: Mas não havia tradição de encontro de bar, por exemplo? SPEAKER 2: Não. SPEAKER 3: Havia uns bailes na (), no Trianon (risada), em que iam os moços e as moças. Mas era, era tudo bem mais regulado do que hoje. () é muito, muito para frente. SPEAKER 1: No caso de São Paulo, agora, atual, o senhor acha que alguma coisa deve ser feita ainda para salvar, vamos dizer, () essa confusão da cidade em si? Ou o senhor acha que as coisas... Eu acho que está bem () SPEAKER 3: Tem que ser assim mesmo. SPEAKER 1: O senhor estava falando aí de um problema de, de que o senhor estava tendo com uma determinada rua () Era problema de que mesmo que o senhor estava me dando agora? SPEAKER 3: Ah, é o calçamento () Da entrada lá do hospital de () SPEAKER 1: () Para providenciar isso, o senhor tem que... Qual é a documentação necessária? Que órgãos o senhor tem que dirigir? SPEAKER 3: Ah, não. É só a Prefeitura. Só a Prefeitura. É só com a Prefeitura. E como eu tenho velhos companheiros lá, foi possível. Porque foi, foi possível arranjar essa documentação antes de qualquer outra. Porque é na entrada de um hospital. Então, eu imaginei que se desse uma prioridade, para esse, para esse calçamento. Agora, é preciso não deixar que os outros arranjem que as prioridades dele passem por um. Porque, no meu caso, o único interesse é servir o hospital. Certo Agora, tem a vantagem para a Prefeitura que, junto do hospital, fizeram... a Montepio fez uma porção de casas de residência lá. SPEAKER 2: Mas que essas casas também vão ser beneficiadas, que são da própria Prefeitura. SPEAKER 1: O hospital não pagaria por essa () () Ou teria que pagar? SPEAKER 3: Não, não. A Santa Casa é isenta de pagamentos. SPEAKER 2: E vai até a porta do hospital, não é SPEAKER 1: Sim. SPEAKER 2: E nós recebemos muitas contribuições da Prefeitura. Agora está se fazendo um hospital novo na Lá no prolongamento da Avenida Pacaembu, que agora chama-se Avenida (), está se fazendo um hospital novo com a Faculária de Medicina da Santa Casa. SPEAKER 1: Ah, sim. SPEAKER 3: Já não ouviu ainda isso? SPEAKER 1: não ouvi () Eu sabia, limpa de jornada, que havia, havia um projeto nesse sentido, mesmo porque a faculdade está se ampliando, né? E problema de estágio, essa coisa toda dos próprios alunos obrigaria a ampliação. SPEAKER 2: É preciso fazer um hospital separado para, para escola. E vai ser um hospital modelar. SPEAKER 1: E esse vai ser só para escola? SPEAKER 2: Vai, bom, vai servir de hospital para escola, mas é atender todos os doentes em geral. SPEAKER 1: Agora, atualmente, a Santa Casa atende um determinado tipo de doente, ou qualquer pessoa pode? SPEAKER 3: Qualquer pessoa pode, só que não pode atender todos os que vão lá, porque a quantidade de gente que vai lá é muito grande. Certo. Mas eles estão atendendo doentes do í ene pê esse. Ah, tem convênio com () convênio com o í ene pê esse, tem convênio com a Prefeitura para atender o pronto-socorro, mas que ela recebe () SPEAKER 1: E qualquer pessoa que não tenha vínculo empregatício, que pertence Pode () socorrer aí a Santa Casa? SPEAKER 3: A Santa Casa socorre, só que tem uma parte de indigentes. Certo Qualquer um pode ir lá, mas a dificuldade é arranjar para ser atendido. O número de pessoas é muito () SPEAKER 1: () E o senhor acha que com esse novo prédio vai desafogar? SPEAKER 3: Bom, pelo menos vai, vai tirar os estudantes e os doentes que () SPEAKER 2: Há enfermarias que são destinadas aos estudantes. Isso tudo irá () para o Hospital novo SPEAKER 1: Aquela clínica pediatra lá na casa é famosa, né? Eu me lembro assim, inclusive, quando os meus filhos nasceram, de ter referências. Não sei se continua no mesmo nível, mas parece que era, assim, uma das melhores coisas () SPEAKER 3: () mais no hospital de Jaçanã Em Jaçanã tem um hospitalzinho para crianças. Com uma porção de leitos () SPEAKER 2: E deram às crianças. Tem um, tinha um hospital enorme. SPEAKER 3: Em Jaçanã, a gente pode ver o progresso da medicina também. Aquele hospital de Jaçanã foi feito, a princípio, para leprosos () Então era um grande, um grande leprosário. SPEAKER 2: E o nome de Jaçanã ficou até um pouco ruim, porque o nome de Jaçanã lembrava o leprosário. Eh () () trinta e dois eu sei bem a data porque agora estão reformando novos () () a medicina tinha progredido muito e não, e não havia mais necessidade de internação de tantos morféticos, porque apareceu um remédio () não sei qual era o remédio e > SPEAKER 3: Então eles puseram... eles mandavam os doentes para casa e foi diminuindo o número de, de internados () reduziram só a santo SPEAKER 2: O Hospital de Santo Ângelo e > SPEAKER 3: E este aqui, em trinta e dois, eles se transformaram em hospital de tuberculosos. Então, tinha um pavilhão para mulheres e um pavilhão para, para homens muito grandes. Tinha uma escola, tinha uma, uma indústriazinha de readaptação de, de doentes, para vocês aprenderem o ofício, porque depois que sarava da tuberculose, poder fazer alguma coisa, ah, sim Então, tinha lá uma tipografia, tinha uma fábrica de tecidos, para eles irem aprendendo a fazer isso lá. Mas a medicina foi se aperfeiçoando, aperfeiçoando e acabaram também com o Hospital Tuberculoso. eles não fazem mais () internação de, de tuberculosos, a não ser em determinados casos e para isso eles têm o hospital lá em São José dos Campos que é o Vicentina Aranha E aqui em São Paulo eles transformaram, e essa é a reforma que eu estou fazendo, transformaram o hospital de, de, de tuberculosos em um hospital geral. Então fizeram um hospital para as crianças e tem um pavilhão para homens e um pavilhão para mulheres. SPEAKER 2: O pavilhão para mulheres está funcionando, mas funcionando misto, porque o dinheiro acabou. SPEAKER 3: E não deu para fazer ainda a reforma do pavilhão de ho> >mens. O pavilhão de homens está fechado. Mas é um hospital imenso, dentro de um parque muito bonito. SPEAKER 1: E nesse São Paulo antigo havia casas hospitalares assim, onde as pessoas pudessem ter um atendimento regula> ou a coisa era só feita em casa SPEAKER 3: No meu tempo? É SPEAKER 2: É. O Hospital () já é antigo () Ah, já existia? Já. o hospital () () Onde está atualmente? Santa Catarina no instituto paulista O Instituto Paulista já foi derrubado. SPEAKER 1: Mas () as pessoas não se sentiam assim, vamos dizer, dimi> >nuídas () mas lá era pago. Ah, era pago. SPEAKER 3: Era pago. A Santa Casa já existia há muitos anos. SPEAKER 2: A Santa Casa, parece que a fundação dela SPEAKER 3: Eu li a parte histórica outro dia da Santa Clara é coisa de mil quinhentos e noventa () é coisa assim é Mas só que () como não havia hospital, as famílias atendiam por conta da Santa Casa em suas próprias residências. Sei SPEAKER 2: Não havia hospital. Sim. E não > SPEAKER 1: () nesse caso, por exemplo, de uma () moléstia mais grave, no caso da tuberculose, por exemplo, antigamente, matava, né? porque como o que que as famílias () qual era o recurso que elas utilizavam para salvar o doente? () SPEAKER 3: Eu acho que () tuberculose era mal sem cura. SPEAKER 1: Era mal sem cura? SPEAKER 3: Era mal sem cura. () tuberculoso morria tuberculoso não havia () SPEAKER 1: Mas ficava segregado, assim, dentro de casa, não? () Ou se mandava para fora? () SPEAKER 3: Não, não mandava para fora. Botava para SPEAKER 1: Quem podia ia para Suíça. Ah, sim SPEAKER 3: () Não tinha no Brasil? Outros iam para Campos do Jordão.